Há muito que este filme anda a apaixonar a opinião pública. Há muito que este filme anda a apaixonar a opinião pública. As razões serão múltiplas e por vezes contraditórias. Sabe-se, à partida, que, rigorosamente, não acrescenta nenhum dado novo, histórico ou teológico, à vida e morte de Jesus. E que não exprime qualquer facto fora das narrativas bíblicas. Mas é óbvio que, tratando-se de uma construção fílmica, deixa de ser neutra. Esconde uma óptica, traduz a mentalidade do autor, envolve-se na máquina que produz cinema. Toda a narração é interpretativa. E obviamente que a linguagem cinematográfica é diferente da linguagem teológica. Aqui se situa McLuhan ao afirmar que “o meio é a mensagem”. No caso, o cinema, com todo o seu aparato de produção, a gramática descritiva que adopta, os espectadores que pretende captar, o jogo comercial e ideológico que o gerou. Mel Gibson tem direito ao crédito nas múltiplas declarações que tem proferido. Mas toda a sua lógica é urdida dentro do sistema Hollywoodesco que realiza grandes produções com temas tanto sublimes como sórdidos. Mas, como é sabido, o filme A Paixão de Cristo, ainda que em fascículos, tem andado de Pilatos para Caifás à procura de suportes publicitários, tanto pela concordância como pela condenação. Mesmo que não acrescente uma vírgula aos Evangelhos, pode acentuar interpretações ou desenterrar velhos diferendos, nomeadamente entre católicos e judeus. Mas sem os condimentos da polémica (uma forma de publicitação) estaria condenado a passar desapercebido como tantos têm passado. O que inegavelmente traz é, por via do cinema, uma dramaticidade estarrecida que se mistura com a violência. Passada por Jesus, dirão alguns, essa violência é ínfima, face à densidade do mistério sofredor do Filho de Deus. Mas logo a seguir se acrescenta, como pergunta, se o filme, ao reduzir a redenção ao sofrimento não é simplista, ou mesmo prisioneiro da corrente que coloca a paixão de Cristo no eixo errado da história da salvação. Não há dúvida que este filme tem sido lançado com todos os dados científicos do marketing. A locomotiva publicitária está a rodar com altíssima perfeição. A causa merece-o, dirão alguns. E porque não, perguntam outros, utilizar todos os meios técnicos, estéticos e financeiros para contar ao mundo, no nosso tempo, o preço inestimável com que fomos remidos? Mesmo que restem apenas perguntas, nem tudo se terá perdido. Deixando uma última: e o custo dum produto deste género não ajudaria a remir tantos da sua situação de sub – humanidade? Mesmo vulgar, a questão tem direito a existir… Algumas objecções “judaicas” em torno do filme podem esconder interesses que não se sabe bem onde começam e onde terminam. O melhor é tirar dúvidas, directamente, no Evangelho de S. João. António Rego