José Luís Nunes Martins
A obra-prima “Angelus”, de Jean-François Millet, retrata dois camponeses curvados em oração ao final da tarde, após mais um dia de trabalho. Como se fossem convocados pelo toque dos sinos de uma igreja ao fundo, o gesto dos camponeses compõe um mistério magnífico.
A tristeza, que parece estar em primeiro plano, contrasta com a calma e a paz de tudo o que está mais distante.
Depois de pedidos insistentes de Salvador Dalí, que viveu muito tempo obcecado por este quadro, o Museu do Louvre fez radiografias da pintura… e tal como Dalí havia suspeitado, a cesta de batatas entre as duas figuras humanas foi pintada por Millet por cima do que, num primeiro momento, era um caixão de bebé.
A oração é algo tão sobrenatural que serve tanto para agradecer o fruto do trabalho diário quanto para suplicar por um filho que partiu deste mundo… para o sempre.
Rezamos pelo pão de cada dia e pela hora de nossa morte.
Quem reza agradece e pede. Pode até agradecer e pedir por aquilo que acabou de perder.
O que sentem uma mãe e um pai ao verem os filhos jantarem, apesar de não haver nada para eles? Será alegria? Que estranha, mas tão verdadeira, forma de alívio e alegria.
Devemos agradecer essas batatas, que chegam para alimentar a vida da nossa vida, mas não chegam para nós? O que sente a barriga vazia de uma alma em paz por saber que seus filhos tiveram o pão nosso de cada dia, apesar de ela continuar sem nada?
O que deveria cada um de nós rezar ao amanhecer? A meio do dia? E ao anoitecer?
O que procuramos? Quais são os nossos horizontes?
Agradeçamos cada batata. Agradeçamos cada dia dos nossos filhos e cada um dos nossos dias. Porque se reconhecermos o verdadeiro valor da nossa existência, só podemos agradecer a quem no-la deu: aos nossos pais e ao pai nosso.
Nenhum de nós é deste mundo. Estamos todos aqui de passagem.