As nossas atenções estão naturalmente centradas na crise financeira, a perda de confiança dos nossos credores na nossa capacidade de cumprir as nossas obrigações, que nos obrigou a ir pedir ajuda a organizações amigas. Mas até essas questões estão ligadas a um problema mais profundo, a chamada «década perdida».
Portugal, nos dez anos de 2000 a 2009, viu crescer o produto per capita em dólares a preços constantes em 0,27% ao ano, uma taxa próxima da estagnação, que no último século só é superior à que tivemos na primeira década da República, 1910 a 1919. Dos países próximos só a Itália cresceu menos. Como nos próximos anos andaremos em recessão devido aos custos de ajustamento, a situação vai manter-se.
Isto não é uma fatalidade e não aconteceu por engano. Foi o resultado de estratégias erradas, aliás ligadas ao mesmo fascínio pelo endividamento fácil que gerou a crise financeira. O nosso país, depois de ter batido recordes de crescimento de 1960 a 1990, deixou-se embalar, a partir de meados dos anos 1990s na ilusão que agora nos destrói.
É importante dizer também que a estratégia não foi gerada por más razões. Foram sempre com excelentes motivos, mas que pesavam sobre a economia produtiva. Construir estádios de futebol, investir no TGV, autoestradas isoladas, acumular os regulamentos, fiscalizações, portarias e exigências, pareciam sempre coisas muito boas. Empresas municipais fictícias, setores protegidos pelo Estado, subidas de salários, pensões, subsídios tinham sempre os melhores motivos. O problema é que tudo isso caía sempre em cima do setor produtivo, que tem de pagar por todos, e que se via crescentemente espartilhado por mil e um bloqueios. Não admira que não cresça.
Mas é importante lembrar que Portugal tem hoje uma economia vasta e desenvolvida, e já não é aquele país pequeno e homogéneo que fez a revolução de abril. Isso significa que existe largos setores e múltiplas empresas em crescimento saudável e equilibrado, que fazem a sua vida no silêncio da alma do negócio. Por outro lado há ainda mais companhias em grandes dificuldades ou recentemente fechadas. O panorama é ainda muito complexo e variado, desafiando as ideias feitas e os chavões de ocasião.
No que toca à desigualdade, Portugal tem tido uma flutuação nos últimos vinte anos, sem tendência clara de aumento ou diminuição. Mantém-se como um dos países mais desiguais da Europa ocidental, apesar de ter registado importantes reduções na pobreza, sobretudo graças às transferências sociais. Mas não tem sido possível obter melhorias na disparidade, sobretudo por causa dos salários, que se mantém muito desiguais.
Agora aguardam-nos anos de austeridade e aperto, devendo nós ajustar as nossas despesas ao nível dos nossos proveitos, de forma a pagar as dívidas acumuladas na última década e meia. Qual será o impacto desse ajustamento sobre o desenvolvimento e a desigualdade? Evidentemente que serão tempos difíceis. Apesar disso a evolução dependerá muito da condução política do país.
O «memorando de entendimento» acordado entre Portugal a Comissão Europeia, BCE e FMI define metas apertadas e propósitos severos. Mas deixa muita margem de manobra na forma como serão atingidos esses objetivos. O Governo português terá liberdade na partilha dos sacrifícios e na definição dos apertos.
Isso quer dizer que, embora sempre numa trajetória de dificuldade e redução de despesas, este período pode representar uma oportunidade de abertura, desenvolvimento e convergência, preparando as condições para o futuro surto de progresso. Aliás esta é uma circunstância que já nos aconteceu no passado, aproveitando momentos de dificuldade para lançar novas dinâmicas e oportunidades.
Para isso seria preciso que dois aspetos fossem acautelados na implantação das medidas: a defesa das empresas produtivas, que são quem sustenta o país, e das classes mais pobres, que são quem o país tem o dever de proteger. Infelizmente não são essas as forças que comandam o poder político desde o período que conduziu à crise. Foi precisamente por causa dos interesses dos grupos instalados junto ao Orçamento de Estado que a dívida inchou e Portugal caiu na crise financeira atual.
Os próximos anos representam uma importante oportunidade de reestruturação. Se os portugueses retomarem uma atitude mais produtiva, austera e dinâmica, se souberem preservar os equilíbrios sociais, eliminar privilégios injustificados e direitos exagerados, criaremos uma economia e sociedade mais flexíveis e enérgicas, e Portugal deixará de perder décadas.
João César das Neves
Economista