Entre riscos e potencialiades, Pedro Aguiar Pinto recorda experiência na web com «inúmeras ligações virtuais entre pessoas» A internet é antes de mais, uma possibilidade de ligar, de pôr em comunicação lugares e pessoas. É um instrumento, tal como o é a imprensa escrita, tal como o é o edifício de uma igreja, no sentido em que torna possível a reunião daqueles que foram convocados (o sentido literal da palavra grega ekklesia). O papa João Paulo II, na sua mensagem para a celebração do 36.º dia mundial das comunicações sociais, em 2002, afirma que a Internet “é um meio e não um fim em si mesmo, … pode oferecer magníficas oportunidades de evangelização se for usada com competência e uma clara consciência das suas forças e debilidades”. João Paulo II reconhece na Internet “um novo ‘foro’ no sentido romano do lugar público, capaz não só de propiciar as condições de encontro, tal como uma praça pública, mas também de poder oferecer a continuidade requerida pela evangelização”. É claro que, como todos os instrumentos, a Internet tem limitações, não podendo obviamente substituir “aquela profunda experiência de Deus, que só a vida concreta, litúrgica e sacramental da Igreja pode oferecer”. João Paulo II chama ainda a atenção para os riscos do uso da Internet: – a Internet é também usada para divulgar informação degradante e prejudicial – a característica efémera da informação que a Internet veicula acentua a prioridade dos factos sobre os valores já que a Internet não ensina valores, disponibilizando miríades de factos, sem fornecer critérios de discernimento. – a Internet redefine a relação psicológica da pessoa com o tempo e o espaço, opondo-se ao pensamento e reflexão mais profundos. – apesar de multiplicar as possibilidades de contactos entre as pessoas, estas relações mantidas electronicamente jamais podem substituir o contacto humano directo. Mais do que uma opinião em abstracto sobre o potencial da Internet na construção da Igreja, posso relatar o que tem sido a minha experiência ao longo de 7 anos como editor do Povo. O Povo é uma “mailing list” actualmente com cerca de 4000 membros, para quem envio quase diariamente artigos seleccionados de jornais (em papel e digitais) e avisos de eventos que promovem a cultura cristã. Desde Março deste ano todos os artigos enviados para o Povo residem no blog O Povo http://o-povo.blogspot.com/ onde se podem consultar artigos em arquivo e onde são disponibilizadas outras funcionalidades (calendário, imagens, vídeo, som, etc.) O critério de selecção pode-se intuir do cabeçalho do blog Povo que desde o primeiro dia foi uma espécie de estatuto editorial: “Artigos, comentários e notícias que correm o risco de não ser notícia na comunicação social que nos rodeia, apesar de incidirem sobre o que mais interessa à vida e a um juízo sobre o que se passa à nossa volta”. Assim, o “Povo” preocupa-se com o que mais interessa à vida e não com o que mais interessa ao mundo, propondo um critério de discernimento da realidade. É claro que este critério resulta também da minha busca pessoal de um critério para a vida, pelo que é uma presunção propor mais do que a minha busca de critério. Sou ajudado nisso pela Igreja, que me ensina e que me sustem na vida sacramental. Ao longo deste tempo, a minha experiência é construída de inúmeras reacções de gratidão pela ajuda que o Povo representa para quem está só no estrangeiro longe das notícias portuguesas, pela ajuda que a selecção de artigos do Povo constitui para a formação da opinião dos seus leitores, pelo sucesso de algumas iniciativas que o Povo divulga, etc. Há também algumas reacções negativas, discordantes das opiniões que o Povo veicula, mas em muito menor número. Procurando avaliar o modo como o Povo se posiciona face às preocupações de João Paulo II na mensagem referida acima, devo concluir que o Povo tenta propor um critério, eventualmente nem sempre evidente; que as mensagens do Povo têm ajudado muita gente a reflectir mais profundamente o que não resulta como consequência óbvia da sua natureza virtual (muita gente imprime as mensagens que mais lhe despertam o interesse, para posterior leitura). Finalmente, o Povo criou inúmeras ligações virtuais entre pessoas e ao mesmo tempo tem facilitado a possibilidade de elas se encontrarem, nas múltiplas actividades que o Povo divulga; deste modo cumpre o papel de praça pública onde os que “foram convocados” se reúnem. Na minha experiência o Povo pode ser um instrumento de construção da Igreja na medida em que for capaz de afirmar a presença de Cristo na Internet e, portanto, no mundo.