A negra realidade da fome, 50 anos depois do II Concílio do Vaticano

O que mudou na negra realidade da fome desde o II Concílio do Vaticano aos dias de hoje? Os alertas de João XXIII e do Papa Francisco afinam pelo mesmo diapasão.

Numa alocução à assembleia especial da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (F.A.O.), João XXIII corroborou os objectivos da campanha contra a fome, promovida por este organismo, que se pode resumir na mobilização em larga escala das energias e recursos de todo o mundo para ir ao encontro das carências e necessidades dos povos a braços com a miséria e a fome.

Na mensagem aos «30 sábios», realizada a 14 de março de 1963, o Papa que convocou o II Concílio do Vaticano disse ainda que “na preocupação” de se manterem “fiéis à doutrina de Cristo e de acordo com a mais pura tradição da Igreja”, tiveram “todo o gosto em encorajar, logo desde o início, em 1960, a campanha contra a fome”. (Boletim de Informação Pastoral; Abril-Maio 1963; número 23)

Os esforços a empreender orientam-se no duplo sentido de promover uma melhor repartição dos recursos e de proporcionar aos povos subdesenvolvidos os meios de tirarem pleno rendimento dos recursos com que a natureza dotou os países que habitam. O problema da fome, e mais genericamente o problema do desenvolvimento económico e social dos povos, constitui, aliás, um dos pontos reflectidos na encíclica «Mater et Magistra».

Neste documento de 15 de maio de 1961, no terceiro ano de pontificado de João XXIII, denuncia-se que “há países em que se produzem bens de consumo e sobretudo produtos agrícolas em excesso, enquanto que noutros grandes camadas da população lutam contra a miséria e a fome”.

O Papa João XXIII é peremptório e enfrenta corajosamente o motivo clássico aduzido por países que preferem destruir os bens agrícolas a vendê-los a um preço mais reduzido: “Sabemos que produzir bens especialmente agrícolas, que excedem as necessidades duma comunidade política, pode ter repercussões economicamente negativas relativamente a algumas categorias de cidadãos. Porém, não é esta razão suficiente para eximir do dever de prestar auxílio de emergência aos indigentes e aos esfomeados”.

Segundo os dados da F.A.O de 1962, quase 75% da humanidade passava fome ou estava subalimentada. Seria duvidar da providência divina pensar que, pela natureza das coisas, o homem é um condenado à morte pela fome.

Portanto, qualquer que seja o progresso técnico e económico, “não haverá no mundo justiça nem paz, enquanto os homens não tornarem a sentir a dignidade de criaturas e de filhos de Deus, primeira e última razão de ser de toda a criação” (Mater et Magistra, nº 214).

Passados 50 anos, o Papa Francisco que iniciou o seu pontificado a 19 deste mês disse na homilia: “Queria pedir, por favor, a quantos ocupam cargos de responsabilidade em âmbito económico, político ou social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos «guardiões» da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que sinais de destruição e morte acompanhem o caminho deste nosso mundo!”

O que mudou na negra realidade da fome desde o II Concílio do Vaticano aos dias de hoje? Os alertas de João XXIII e do Papa Francisco afinam pelo mesmo diapasão.

LFS

 

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