Homilia do Cardeal Patriarca na Dedicação da Sé de Lisboa – 25 de Outubro de 2004 1. Celebramos hoje o aniversário da dedicação da Catedral de Lisboa, logo a seguir à reconquista cristã da cidade e da investidura do seu primeiro Bispo, nessa nova fase da história de Lisboa, que se prolongou até aos nossos dias. Não há Catedral sem Bispo, como não há Bispo sem Catedral. Ambos os gestos, dedicação da catedral e entronização do Bispo, significam a implantação de uma Igreja particular, na qual vive e se exprime toda a Igreja de Jesus Cristo, Una, Santa, Católica e Apostólica. Não foi a primeira vez que existiu em Lisboa uma Igreja particular organizada. Desde Potâmio de Lisboa que conhecemos os nomes de alguns Bispos desta Igreja e se durante o período de domínio muçulmano as notícias são escassas, a crónica da conquista de Lisboa refere-nos a presença do Bispo, que aliás perdeu a vida na confusão da batalha. Somos, assim, uma Igreja com longa história, provada pelas vicissitudes das mudanças e dos acontecimentos, que soube resistir em situações adversas e que adaptou a sua missão e a sua forma de ser Igreja a cada tempo novo. As grandes mudanças históricas dão á Igreja essa dupla sensação: a da fidelidade a uma longa tradição e a de começar de novo, num tempo novo. É essa dupla atitude que é, hoje, pedida, à Igreja de Lisboa: fidelidade a uma longa história, que enraíza na era apostólica, o que lhe dá a firmeza e a segurança necessárias para pensar a sua missão na exigência e na complexidade do tempo que vivemos. 2. A Catedral é, na Igreja particular, o símbolo vivo da sua apostolicidade e, consequentemente, da sua catolicidade. A Igreja de Cristo é um edifício espiritual, construído de pedras vivas, assentes “sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, que tem Cristo Jesus como pedra angular”. Só existe uma Igreja particular quando a ela preside o Bispo, sucessor dos Apóstolos, garantindo-lhe a plenitude dos meios da graça da salvação, a Palavra e os sacramentos. Na Catedral o Bispo tem a sua cátedra, de onde proclama o Evangelho e guia todo o Povo pela Palavra; aí o Bispo congrega o Povo para a Eucaristia, momento decisivo da construção da Igreja como Povo do Senhor, aquele que se reúne para adorar a Deus em espírito e verdade. O Bispo conduz a Igreja pelos caminhos da salvação com a ajuda dos presbíteros, a quem fez participantes do sacerdócio apostólico. Eles ficam com poder e autoridade para congregarem o Povo em nome do Bispo, proclamarem a Palavra e celebrarem a Eucaristia. Em todos os templos e lugares onde, nesta Igreja, o Povo se reúne convocado por um presbítero em comunhão com o seu Bispo, está simbolicamente presente a Catedral, pois se esta é, na sua verdade profunda, o lugar da reunião, ela está presente onde o Povo se reúne, em nome do Senhor. A Catedral torna-se, assim, o sinal visível dessa união misteriosa e invisível de uma Igreja unida em comunhão. Precisamos de valorizar pastoralmente esta união profunda entre a Catedral e a Igreja paroquial. 3. Mas a Catedral é também o mais significativo sinal visível da presença da Igreja na Cidade. A Igreja viva, alimentada pela Palavra e pela Eucaristia, torna-se sacramento de salvação para toda a Cidade. O Senhor atrai todos os homens e deseja ardentemente que eles O encontrem na Sua casa. Era já esse o sentido do templo de Jerusalém, na mensagem do Profeta Isaías: “Quanto aos estrangeiros que desejam unir-se ao Senhor… hei-de conduzi-los ao Meu Santo monte, hei-de enche-los de alegria na minha casa de oração… porque a Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos” (Is. 56,6-7). Paulo vê esta profecia realizada na Igreja de Éfeso. Eles que eram estrangeiros, estão hoje congregados no único Povo do Senhor. “Já não sois estrangeiros nem hóspedes, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus”. A Catedral é a expressão viva do dinamismo evangelizador da Igreja particular, pois toda a evangelização é palavra amorosa de Deus, dirigida a todos os habitantes da Cidade, convidando-os a sentirem a Igreja como sua casa. Todo o dinamismo evangelizador, porque parte do Bispo, só pode partir da catedral. A missão na cidade, integrada no Congresso Internacional da Nova Evangelização, que estamos a preparar, tem de partir da catedral, pois é aí que o Bispo envia todos aqueles e aquelas que querem anunciar o Evangelho de Cristo, em toda a Cidade. A Catedral, enquanto símbolo visível, deve, durante este ano, encarnar as atitudes fundamentais com que a nossa Igreja diocesana deseja ser enviada à cidade, com a boa-nova da paz e da fraternidade. * Monumento histórico, expressão viva de uma longa tradição, ela proclama a todos que a Igreja que queremos ser não é uma invenção de ocasião, ao sabor dos ventos e das modas. Ela concilia, harmonicamente, no seu seio, a fidelidade ao Evangelho e a adaptação aos novos tempos. Visões de Igreja inspiradas no efémero do tempo, serão tão efémeras como o tempo. * Monumento belo, ela comunica silenciosamente a beleza do mistério. Os nossos contemporâneos, na complexidade da vida moderna, precisam mais de ser atraídos do que convencidos. E só a beleza atrai verdadeiramente. O nosso testemunho na cidade tem de ser atraente, porque transmite a beleza de Deus. * Monumento visitado, ele tem de ser acolhedor. Além dos fiéis que a ela convergem para celebrar a fé, esta catedral é visitada por muitos milhares de pessoas. Que elas possam receber aqui aquele raio de luz que atrai e se torna semente da busca de Deus. Mas para além disso tudo, esta Catedral tem de ser amada, por todos os diocesanos de Lisboa que reconhecem nela a Casa Mãe, a fonte viva donde brota toda a riqueza sacramental de que vive a Igreja. No Antigo Testamento todo o judeu fiel devia visitar o templo de Jerusalém, pelo menos uma vez por ano. Seria pedir demais a todos os fiéis praticantes desta Diocese de Lisboa, que, pelo menos uma vez por ano, viessem à Igreja Catedral celebrar a sua fé? O Ano Jubilar Vicentino, que estamos a celebrar, tem sido uma motivação a mais para esse dinamismo. Mas bastaria o sentido profundo de pertença a uma Igreja para fundamentar essa peregrinação. Ela será, então, não apenas uma peregrinação no espaço, mas também no tempo e na profundidade do mistério. Celebrar a dedicação da Catedral é, necessariamente, ocasião para redescobrir a catedral. Que Santa Maria Maior e São Vicente guiem os nossos passos para a Casa de Deus, a Jerusalém do alto, a cidade definitiva que só lobrigamos através de símbolos e desse raio de luz, vindo da profundidade do mistério, que inundará de beleza os nossos corações peregrinos. Sé Patriarcal, 25 de Outubro de 2004 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca