A missão «ad gentes» para uma renovação «ad intra»

Conferência de D. António Couto, bispo auxiliar de Braga, no Centro Pastoral da Igreja de Santo António, em Barcelos No Sábado passado, D. António Couto, Bispo Auxiliar de Braga e Presidente da Comissão Episcopal das Missões, brindou a Comunidade Cristã de Santo António, em Barcelos, com a sua presença solícita e fraterna. Por volta das 21h30, o “bispo com alma de poeta”, oriundo da Sociedade Missionária da Boa Nova, foi acolhido pela Comunidade Cristã com muita alegria e expectativa, de um modo especial pelos jovens do grupo “sem cenas” que fizeram um jogral sobre a “missão” e entoaram um cântico timorense. Seguiu-se uma breve apresentação do senhor D. António, completada pela leitura de um resumo da sua biografia feito pela Joana, Presidente do Secretariado das Missões de Barcelos, Secretariado que se empenhou em tudo para que, tanto o senhor Bispo como todos os que se deslocaram ao Centro Pastoral dos Capuchinhos, se sentissem bem nessa noite “missionária”. O frei Manuel Pires, animador daquela Comunidade Cristã, agradeceu ao senhor D. António estar a cumprir o que prometeu quando se dirigiu pela primeira vez à Diocese de que foi nomeado bispo auxiliar: «Querida Arquidiocese de Braga, […] irei ter convosco […] porque muito vos quero.» “Na pastoral das paróquias, urge mudar tudo do avesso” No contexto do Dia Mundial das Missões, este ano celebrado no dia seguinte, D. António começou por manifestar o seu agrado pelo facto de ver uma comunidade reunida para reflectir sobre a missão, pois este, geralmente, é um tema deixado para segundo plano. Segundo ele, «passamos demasiado tempo a olhar para o umbigo», numa pastoral de manutenção que se preocupa com a organização das paróquias, e só depois com a evangelização; pelo que se torna «urgente, hoje, voltar tudo do avesso», pois a Igreja define-se, pela sua natureza, como missionária. Em seguida, citou diversos documentos do Magistério da Igreja sobre a “missão”, para passar a mensagem de que «há muita coisa que temos de mudar» e que, pelo baptismo, todos os cristãos – quer sejam bispos, presbíteros, consagrados e consagradas, ou leigos – são missionários e co-responsáveis pela acção missionária. «Ninguém nesta sala está dispensada da tarefa da missão», sublinhou. Os fiéis leigos são chamados à missão não apenas por uma questão de eficácia apostólica, isto é, «não apenas porque não há padres», mas «porque a missionariedade é, para cada cristão, expressão normal da sua fé». «Quem verdadeiramente encontrou Cristo não pode guardá-lo para si!» (João Paulo II, No Início de um Novo Milénio, 40). Por isso, antes de tudo, como diz o Papa Bento XVI, «a missão é uma questão de amor» (Servos e apóstolos de Jesus Cristo, Mensagem no Dia Mundial das Missões, nº 2). Assim, o esforço missionário não pode ser deixado a algumas pessoas e instituições, ainda que estas sejam indispensáveis. Novo paradigma da evangelização: “mais tempo fora da igreja, do que dentro da igreja” Actualmente, acrescentou D. António Couto, o paradigma da evangelização tem de mudar radicalmente, pois «uma paróquia não pode viver tranquilamente dentro das paredes da igreja, da sacristia ou do salão paroquial». A Conferência Episcopal Italiana é, segundo ele, aquela que, na Europa, mais preocupação tem demonstrado pela questão da missão e da evangelização. Pela sua importância, transcrevemos na íntegra alguns parágrafos que o senhor Bispo citou: ● «A paróquia será tanto mais capaz de redefinir a sua tarefa missionária no seu território quanto mais saiba projectar-se no horizonte do mundo sem delegar apenas em alguns a responsabilidade da evangelização dos povos.» ● «A missão “ad gentes” não é apenas o ponto conclusivo do empenho pastoral mas o seu constante horizonte e o seu paradigma por excelência». Para D. António Couto, hoje, a verdadeira paróquia, é aquela onde o cristão se reúne para reflectir e celebrar a sua fé, mas «parte para fora e vai ao encontro das pessoas nos cafés, nas casas, nas escolas, nas oficinas. E acrescentou «hoje, o papel do cristão, passa-se mais fora da igreja, do que dentro da igreja.» “Cuidar da formação dos adultos e idosos” Outro problema, segundo ele, é que «temos quase todo o nosso equipamento pastoral orientado para a formação dos jovens e crianças». E então poderíamos perguntar-nos, como ele: «E os adultos e idosos? Não temos de cuidar da sua formação?» Assim como quem acaba um curso, passado pouco tempo, é chamado a fazer uma actualização, assim tem de ser também na igreja – afirmou o bispo que é também, desde há muito, e continua a ser, professor de Sagrada Escritura na Universidade Católica Portuguesa do Porto e de Braga. Para ilustrar o que pretendia dizer, D. António colocou-nos perante o seguinte caso, que ouviu de um leigo italiano: «Os senhores olhem para a sociedade. Imaginem que 90% dos médicos eram pediatras; restavam 10% para cuidar dos adultos e idosos. Na Igreja não estamos a fazer mais ou menos a mesma coisa?» E ainda assim – acentuou – «falhamos a nossa metodologia», pois ao fim da primeira comunhão, da profissão de fé ou do crisma muitos deixam de participar na vida da Comunidade Cristã. «Cada evangelizado apenas termina o seu curriculum quando ele próprio se torna evangelizador, quando sentir a necessidade de se transformar em evangelizador.» Paróquia missionária: «missão “ad gentes” dentro do país» Não podemos, de modo algum, continuar com a actual «metodologia de manutenção, apenas acolhendo aqueles que vêm à igreja», continuou D António, pois desta forma, «não fazemos sentir a todos o calor da nossa vivência de Cristo e do Evangelho». Uma paróquia missionária, hoje, «tem de passar por ir, necessariamente, ao encontro das pessoas. Os jovens que andam na Universidade devem preocupar-se em levar Cristo a outros jovens que andam na Universidade». Mas não apenas os jovens; «nenhum de nós pode ficar de braços cruzados, tranquilamente, dentro da igreja ou da sacristia». É um imperativo «levar Jesus Cristo a toda a gente». Voltando a referir-se ao caso da Itália, o senhor Bispo disse que ali já nem sequer se fala de “nova evangelização” mas de missão “ad gentes” dentro do país. É necessário não um novo anúncio, mas «o primeiro anúncio. Um primeiro anúncio feito com todo o ardor». Então, D. António Couto interroga-se: «Se for só um padre na sua paróquia a anunciar o evangelho, aonde é que chega o Evangelho?» E logo responde: «Quem mais depressa e fundo consegue chegar ao coração das pessoas – nas escolas, nas fábricas – não são os padres mas os leigos!» E olhando novamente para a assembleia: «Vocês conhecem as pessoas; podem ir ter com elas; visitá-las por amor. É assim que se anuncia hoje o Evangelho: por amor». “Uma pessoa perigosa… no bom sentido” Para mostrar o que queria dizer, o conferencista contou a história do velho missionário americano Bob McCahill, dos Padres de Maryknoll. Bob McCahill trabalha no Bangladesh há mais de 30 anos, e, como o próprio confessa, nunca anunciou publicamente o Evangelho. O Bangladesh é um país de extrema pobreza e com uma população maioritariamente muçulmana. Bob McCahill faz a sua oração da manhã e celebra a Eucaristia sozinho, na sua barraca, e depois pega na bicicleta e vai ao encontro das pessoas: fala com todos, mas presta particular atenção aos doentes. Muda de terra de três em três anos. No primeiro ano, as pessoas olham este americano com alguma desconfiança. No segundo ano, já o olham com simpatia. No terceiro ano, cria-se um clima de grande simpatia e perguntam-lhe a razão de querer viver no meio deles (muitos até lhe dizem que dava um “bom muçulmano”). É então que ele fala de Jesus Cristo. Quando já há uma imensa simpatia levanta a tenda e começa do zero. Nunca rezou ou falou de Jesus em público! Há pouco tempo, o padre Bob, deu uma conferência nas Filipinas, onde começou a sua vida como missionário. Começou a sua intervenção olhando as pessoas nos olhos e perguntando: «Algum dos presentes sabe quem é a pessoa mais feliz do mundo ou por acaso algum dos presentes pensa que é a pessoa mais feliz do mundo?» E continuou: «Se estiver aqui alguém que pensa que é a pessoa mais feliz do mundo, fique a saber que eu também penso que sou a pessoa mais feliz do mundo porque sinto em mim o privilégio de servir os mais pobres do mundo com amor.» Uma pessoa destas é uma «pessoa perigosa. Uma pessoa perigosa no bom sentido» – diz o conferencista. E acrescenta: «Precisamos de muitos padres e leigos como o padre Bob. Hoje não há muitas pessoas dispostas a ouvir grandes discursos, mas estamos num mundo em que cada um de nós pode fazer muito»; e para esta missão de ir ter com as pessoas e de lhes levar este Jesus Cristo «precisamos de todos, de uma rede vastíssima de gente». D. António Couto, por muitos chamado o “bispo da esperança” – pelo lema que escolheu para o seu episcopado: «Vejo um ramo de amendoeira» (Jr 1,11) – constata com alguma tristeza que permanentemente «nos queixamos de que o mundo não tem valores. Estamos a falar mal do mundo; isto é, mal dos outros». E logo acrescenta que «este nosso discurso está errado. Apenas temos de mostrar os valores que temos. Apenas temos de amar. Temos de amar. E amar este mundo. Estas pessoas». Para ele, este tempo em que estamos «é o de um cristianismo personalizado, pessoa a pessoa, de coração a coração». Hoje, continua, «o que é decisivo é que cada um de nós se abeire do outro, o trate pelo seu nome, como uma pessoa, e acabe por lhe fazer passar este Jesus Cristo, pelo seu comportamento». Nova metodologia da missão: “transformar cada cristão em evangelizador” A metodologia da missão afigura-se clara ao bispo-biblista: «cada um sair de si» e «tentar transformar cada cristão num evangelizador, porque isso é que é um verdadeiro cristão». E acrescenta: «Dizemos que somos irmãos mas, na verdade, não somos irmãos; somos mais malandros que irmãos»; mas «quando alguém vai ao encontro das pessoas por amor acontecem pequenos milagres». Neste contexto, leu parte de um poema de Nelly Sachs, judia, prémio Nobel da Literatura em 1966 e que reproduzimos aqui: «Se os profetas irrompessem pelas portas da noite com as suas palavras abrindo feridas nas rotinas do nosso quotidiano (…) Se os profetas irrompessem pelas portas da noite à procura de um ouvido como pátria Ouvido humano obstruído por mato e por silvas será que saberias escutar?» «A evangelização, ou a fazem os leigos ou não se fará!» Este poema, diz D. António, traduz um bocadinho o nosso mundo, «obstruído por erva daninha. Importa, por isso, uma limpeza grande no corpo todo e na alma toda para que possamos outra vez entender que ser cristão é uma coisa nova; uma abertura imensa para escutar a voz de Cristo». O bispo auxiliar de Braga terminou a sua intervenção, fazendo suas as palavras de D. Francesco Lambiase, bispo de Rimini: «a evangelização, ou a fazem os leigos ou não se fará! E citou ainda um filósofo francês: «Enquanto estivermos inquietos, podemos estar tranquilos.» Para logo interpelar, olhando para a nossa realidade: «Parece que estamos todos muito quietos, portanto não podemos estar tranquilos.» O encontro terminou com um agradecimento a D. António Couto por ele ter partilhado com todos os presentes o tesouro da sua experiência pessoal da “missão” e de Deus. Frei Hermano Filipe Entrevista à AE • Por uma Igreja mais missionária

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Agência ECCLESIA

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