Octávio Carmo
Na última semana, tivemos a boa notícia de ver uma igreja portuguesa entre o lote de dez finalistas do prestigiado Prémio Internacional de Arquitetura Sacra da Fundação italiana ‘Frate Sole’. Além da igreja do Divino Salvador de Freamunde, no Porto, um projeto do arquiteto português Joaquim Portela – uma capela nos Alpes suíços – também está entre os candidatos à distinção, entregue apenas de 4 em 4 anos.
Sabemos que, muitas vezes, perante estas construções, a primeira reação é de desconforto, quando não de rejeição. Mas vale sempre a pena olhar com atenção, pelo menos para que se possa discordar com mais propriedade, se for caso disso.
A Arquitetura é uma disciplina autónoma e nestas novas igrejas e capelas é visível a preocupação de criar valores próprios, ao nível da expressão criativa, evitando o pelo recurso ao simbolismo convencional de certas formas ou artifícios de decoração. Estas construções revelam-nos, aliás, elementos capazes de traduzir a aspiração de infinito (escala sobre-humana, verticalidade, luz, esvaziamento, desmaterialização) sem que tenham de decalcar modelos do passado (aquilo que, muitas vezes, se julga ser uma “verdadeira” igreja).
Outro exemplo que também tem valor espiritual: a economia de materiais contrasta com a cultura do desperdício que se vive na sociedade moderna.
Há um diálogo necessário com a contemporaneidade, quer no uso dos materiais (betão, panos brancos de paredes rebocadas, vidro) quer na espacialidade – com espaços internos assimétricos, de traçado poligonal e sentido “orgânico” – e na articulação com o espaço em que se insere o edifício. As formas são reveladas pela luz, em esculturas abstratas, criando jogos de sombras e de cor, destacando o contraste entre os elementos estáveis (referências da liturgia e da devoção) e os elementos móveis (a comunidade que habita o espaço).
Em tudo isto há uma linguagem religiosa específica, para os católicos. Há uma memória e um futuro, porque a igreja não serve apenas a comunidade que a constrói, mas também as muitas que hão de vir, felizmente.
A memória, a tradição, ensinou-se que a igreja tem de ser um monumento que se deve diferenciar claramente do resto das construções. É um desafio interior e coletivo aprender a ligar de outra forma o edifício e a comunidade, a igreja e a cidade. Parece claro que não estamos só perante uma questão de espaços ou volumes, mas de conceções eclesiológicas, litúrgicas e artísticas.
Entre o perene e o efémero, a intimidade e a solenidade, há muito mais para dizer e pensar do que “gosto” ou “não gosto”. Vale a pena assumir esse desafio.