«A melhor força para transformar o mundo é que cada um de nós se deixe converter radicalmente» – padre Gonçalo Abreu Rocha

O padre Gonçalo Abreu Rocha, de 57 anos, é o novo vigário regional do Opus Dei em Portugal, após nomeação pelo responsável mundial desta prelatura pessoal da Igreja Católica, no dia 18 de maio. Em entrevista à Agência ECCLESIA, aborda o seu percurso de vida, até esta nova missão, e as prioridades que se colocam ao futuro imediato, desde a JMJ 2023 ao Sínodo, passando pela implementação das orientações do Papa para a própria prelatura

Foto: Opus Dei

Que missão é esta de ser novo vigário regional do Opus Dei em Portugal e como encara a confiança que foi depositada em si?

Ser chamado para esta função traduz-se um pouco em mixed feelings (sentimentos mistos), porque é, ao mesmo tempo, uma apreensão e uma segurança. Apreensão, pelas vertigens da fragilidade pessoal. Segurança, porque Deus é mais forte do que a nossa pequenez e porque conto com a oração de muitos e a preciosa ajuda de alguns colaboradores.

O vigário regional, como representante no país do Prelado do Opus Dei, serve o carisma que Deus, na Igreja, confiou ao nosso fundador, S. Josemaria Escrivá: alertar pessoas de todas as condições para a grandeza da vida quotidiana vivida como filhos de Deus, à imagem de Cristo, que até aos 30 anos foi Deus a viver como cidadão e trabalhador comum.

É uma vigilância pastoral que acompanha os fiéis do Opus Dei nesse propósito. Sobretudo através de uma formação que procura o reforço do conhecimento da fé, o crescimento na vida de oração e o compromisso no serviço aos outros. Tudo isto em união com o Papa e os Bispos, pois o amor à unidade, segundo uma expressão que muito usou S. Josemaria, deve ser uma “paixão dominante”.

 

Como é que o Opus Dei entrou na sua vida?

De forma muito suave e natural. Um dos meus irmãos foi quem me deu a conhecer a formação religiosa católica do Opus Dei. Eu era adolescente. E gostei. Tinha mais exemplos de fé na minha família, mas daquela vez é como se tudo isso ganhasse maior frescura, e interesse. E cativou-me.

Foi tudo a pouco e pouco. Rezar um pouco mais, e um pouco melhor. Deixar Deus entrar mais na vida e no coração. Uns anos depois decidi aceitar o que me pareceu, e ainda parece, o projeto que Deus traçou para mim.

 

Experimentou, em Roma, a dimensão universal da prelatura. Vai trazer algo dessa visão para a sua nova missão?

É verdade que foi muito importante para mim ter lidado, ao longo de 14 anos, com pessoas de todos os continentes. Fui vice-reitor do Seminário do Opus Dei durante sete anos, e a esse seminário vão habitualmente pessoas com estudos superiores completados e outras com vários anos de experiência profissional. É, pois, um encontro de modos muito diferentes de ver e de viver. E é também uma maneira muito especial de conhecer a diversidade das culturas e mesmo a forma diferente de viver a mesma fé no mundo.

Portanto, foi uma marca que me ficou. Não sei dizer até que ponto isso se vai notar em mim, mas de certeza que num plano interior e implícito está presente.

 

Em Portugal teve a experiência de acompanhar universitários, nos últimos anos. Olhando para a JMJ Lisboa 2023, temos motivos para a esperança? Há um rosto jovem na Igreja Católica?

Mesmo não estando ao nosso alcance ter o panorama geral de como Deus governa a Igreja e a história, creio que vemos vários sinais de grande atração dos jovens pela fé. É muito habitual que cada rapaz e cada rapariga reaja com impetuosa generosidade quando descobre, quando toca, que Deus é bom, está vivo, fez-se jovem em Jesus, nos conhece muito bem (e “apesar disso” gosta muito de nós…), está sempre ao alcance da nossa oração, e nos remedeia os venenos que temos por dentro e nos deitam abaixo.

Por isso é tão importante não perturbar o seu acesso a Deus com coisas secundárias. Os jovens precisam de Deus, não lhes bastam as coisas de Deus. Precisam de uma relação com Deus de tu a tu, olhos nos olhos, coração a coração. E Deus está na Escritura, e está na adoração, e está na Eucaristia, e está na confissão, e está na oração que se faz com o coração, e está no serviço aos outros a começar pelos da nossa casa, e está no cumprimento, com amor e bondade, dos deveres profissionais.

As JMJ são indiscutivelmente uma ótima oportunidade para esse encontro nuclear de cada jovem com Deus. O Papa propõe aos jovens a experiência da Eucaristia, da confissão, da adoração, e ainda tem esse momento tão especial em que vai confessar jovens. Pedimos todos a Deus que toque o coração de cada um dos jovens, os chame e assim eles “se levantem e partam apressadamente” para viver cada um a sua vocação na Igreja, qualquer que ela seja.

 

A reflexão pedida pelo Papa Francisco, com o motu proprio ‘Ad charisma tuendum’, pode ser uma oportunidade para revalorizar e apresentar a mais pessoas este carisma específico?

Sem dúvida. É um apelo claro a um aprofundamento da missão a que fomos chamados, e a um novo vigor na sua apresentação. Os trabalhos de implementação das orientações do Papa são norteados por duas ideias fortes: a fidelidade ao carisma de S. Josemaria e a adesão filial à vontade expressa pelo Santo Padre.

O Prelado do Opus Dei escreveu há pouco tempo que “procurámos exprimir mais claramente a dimensão carismática da Obra, que é vivida e realizada em comunhão com as igrejas particulares e com os bispos que as presidem”.

 

A ideia da santidade no quotidiano, central para o Opus Dei, precisa de novas formas de tradução, para poder ser entendida no mundo de hoje?

A melhor força para transformar o mundo é que cada um de nós se deixe converter radicalmente para ser uma imagem cada vez mais fiel de Jesus Cristo. Depois, em cada época da história é sempre necessário encontrar, na fidelidade a Cristo, e, no caso das instituições, ao próprio carisma, formas frescas e iluminadoras que sejam expressão fiel da força sempre nova e sempre antiga do Evangelho.

Eu penso que há ainda muito a descobrir em relação a algumas ideias fortes. Vou referir apenas três: o contributo principal de um fiel leigo para a Igreja – dentro da diversidade de missões e vocações que há na Igreja – é precisamente a construção do mundo, pois essa é a sua vocação eclesial, à imagem de Jesus nos seus anos de Nazaré. Quando se fala da “hora dos leigos” também está presente esse apelo.

Construindo o mundo assim, os leigos, homens e mulheres, são sacerdotes da própria vida, que a entregam juntamente com Cristo, na Eucaristia. Por isso, a vida corrente tem um poderoso valor de cura para o mundo, por estar assim impregnada de Cristo.

Todo o empenho por ter vida de oração tem de ter como consequência melhorar a qualidade das relações com as pessoas com quem se convive (familiares, colegas, vizinhos), traduzindo-se em amabilidade e serviço, e eliminando pela raiz toda a maledicência, desrespeito e inveja.

 

A vida da Igreja Católica em Portugal está marcada tanto pelo processo sinodal, lançado pelo Papa, como pela crise provocada pelos casos de abusos sexuais. Que papel podemos esperar, da prelatura, neste contexto?

Também nesses pontos aderimos às orientações do Papa Francisco e acompanhamos as propostas dos bispos. A incorporação das grandes ideias do processo sinodal – comunhão, participação e missão – é um caminho em que se deve sempre avançar.

Esta etapa da vida da Igreja é um tempo de graça, e terá bons frutos na medida da nossa sintonia com o Espírito.  Gosto muito daquela frase do Papa na primeira reflexão que fez no lançamento do processo sinodal: “que este Sínodo seja um tempo habitado pelo Espírito! Pois é do Espírito que precisamos, da respiração sempre nova de Deus, que liberta de todo o fechamento, reanima o que está morto, solta as cadeias, espalha a alegria.”

Também é total o nosso compromisso em fazer da Igreja um espaço cada vez mais seguro para menores e pessoas vulneráveis. Já criamos, há alguns anos, as estruturas, as normas de prevenção, e os protocolos para tratamento de denúncias, e, embora de forma sempre melhorável, têm sido muito importantes em ordem a criar uma nova sensibilidade e uma nova cultura de cuidado.

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Agência ECCLESIA

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