D. Antonino Dias, Portalegre-Castelo Branco
Vamos celebrar o nascimento de Jesus. Mesmo continuando a não haver lugar para Ele na hospedaria do coração de muitos, a história dividiu-se no antes d’Ele e no depois d’Ele. E a sociedade continua a transformar-se pela força persuasiva da sua palavra, dos seus gestos, do seu gosto de servir, do seu passar pelo mundo a fazer o bem, da sua atenção sobretudo aos mais necessitados e sofridos. O mundo só mudará quando cada um estiver disposto a mudar a sua mente e vontade, o seu coração, a sua maneira de ser, estar e fazer. Não só, mas sobretudo pela força da Pessoa e da Palavra de Cristo Jesus.
Nesta época de tanta magia, música, alegria e beleza, em cuidados de preparação para a celebração do seu nascimento, e também em busca de presentes para oferecer a familiares e amigos, como seria desejável que ninguém esquecesse que, como causa e origem de todo este corre-corre, e de todos os presentes que se possam ofertar ou receber, está este presente por excelência, o maior presente de todos os presentes, o presente que Deus partilha com toda a humanidade: o seu próprio e único Filho, Ele próprio também Deus, cheio de graça e de verdade. E porquê esta dádiva de Deus? Porque, de entre todas as criaturas visíveis, o homem é, sem dúvida, a única criatura que “Deus quis por si mesma” e ama incondicionalmente. Dotou-o com a capacidade ‘de conhecer e amar o seu Criador’ (GS12. 24), com a capacidade ‘de se conhecer, de se possuir e de, livremente, se dar e entrar em comunhão com outras pessoas”. Mais: só ele foi “chamado, pela graça, a uma Aliança com o seu Criador, a dar-lhe uma resposta de fé e amor que mais ninguém pode dar em seu lugar’ (CIgC357). E embora o homem, pelo respeito à sua liberdade e consciência, não seja pressionado a dar essa resposta, é bom que o faça, positivamente, não só porque muito lhe convém, mas também porque acaba por ser uma exigência da gratidão pessoal para com Aquele a quem o homem tudo deve. É uma obrigação, digamos, pois, amor com amor se paga.
É certo que nem sempre isto aconteceu nem acontece ainda hoje. O homem, “desde o princípio da história, seduzido pelas forças do mal, abusou da sua liberdade, levantando-se contra Deus e pretendendo atingir o seu fim fora de Deus” (GS13). Assim perdeu “a santidade e a justiça originais que tinha recebido de Deus, não somente para si, mas para todos os seres humanos” (CIgC416). Deus, porém, não abandonou o homem. Apesar de ter usado mal da sua liberdade, querendo mesmo usurpar o lugar de Deus, nunca Deus, como Pai extremoso, deixou de amar a todos os homens, tal como são, com amor incondicional. Não para que continuassem a usar mal da sua liberdade e a viver sem rei nem roque, mas para que pudessem reconhecer que só o amor, a verdade e a justiça os libertará. E se Deus, apesar dessa rutura da harmonia e da comunhão, se, apesar disso, Ele prometeu ao homem, logo no início, uma descendência capaz de retomar o projeto divino com triunfo sobre o mal (cf. Gn 3, 15), mais tarde, através do profeta Isaías, anunciou à humanidade que, para isso, uma jovem “conceberá e dará à luz um filho, e chamá-lo-á Emanuel” (Is 7, 14; Mt 1,23). Em fidelidade a este anúncio, e para além de toda a expectativa, Deus enviou o seu “Filho muito-amado”, Jesus, filho duma Virgem, da Virgem Maria, que o concebeu pela ação do Espírito Santo. Nasceu por causa ‘de todos e para todos’. O seu nascimento é anunciado como uma grande alegria ‘para todo o povo’ (Lc 2, 10). É o único nome divino que ‘a todos’ traz a salvação e pode, desde agora, ser invocado ‘por todos’, pois ‘a todos’ se uniu pela Encarnação, de tal modo que ‘debaixo do céu não existe outro nome dado aos homens pelo qual possamos ser salvos” (At 4,12).
O Filho de Deus assumiu a natureza humana numa misteriosa e admirável união da natureza divina e da natureza humana numa só Pessoa, a Pessoa de Jesus. E tal como se apresentou, a sua presença divina, a sua majestade e glória não assustam nem afastam, não humilham nem intimidam. Antes pelo contrário, atraem, geram empatia: “Vinde a Mim ‘todos vós’ que estais cansados e oprimidos…aprendei de Mim que sou manso e humilde coração, e encontrareis descanso para as vossas vidas. Porque a Minha carga é suave e o Meu fardo é leve” (Mt 11, 28-30). Ele não veio para se impor com arrogância nem para ser servido como importante e subserviência. Veio como amigo, em obediência ao Pai, para se propor como caminho, verdade e vida e servir, dando a vida ‘por todos’, amigos e inimigos, não fazendo acessão de pessoas. Nasceu e ‘foi-nos dado’, entregou-se ‘por nós’, morreu dando a vida ‘por todos’, ressuscitou e ficou connosco para bem ‘de todos’ e de cada um, do leitor também.
Como refere São Paulo, sendo “de condição divina, não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si próprio; assumindo a condição de servo, tornou-se semelhante aos homens; humilhando-se ainda mais, obedeceu até à morte, e morte de cruz” (cf. Fil 2, 5-8).
Toda a sua vida “foi um contínuo ensinamento: os seus silêncios, os seus milagres, os seus gestos, a sua oração, o seu amor pelo homem, a sua predileção pelos pequenos e pelos pobres, a aceitação do sacrifício total na cruz pela redenção do mundo, a sua ressurreição – tudo é atuação da sua palavra e cumprimento da revelação” (JPII, CT9).
Este Menino é, de facto, a prenda por excelência de Deus a toda a humanidade, a provar-lhe o grande amor que sempre lhe manifestou, caminhando com ela, falando-lhe como amigo, revelando-se paulatinamente numa pedagogia e condescendência divina sem igual.
Entre nós, ninguém gosta que alguém recuse um presente que lhe é oferecido com tanta dedicação, amor e sacrifício. Que bom seria se ninguém recusasse ou fosse indiferente perante esta prenda de Deus, como prova do seu amor infinito para com ‘todos, todos, todos’. Que bom seria se Jesus encontrasse lugar na hospedaria do coração de todos e não fosse rejeitado, descartado, sobretudo na pessoa dos pobres e sofridos. Acolher o dom que é Jesus, deixar-se amar e transformar por Ele, levará cada um a partilhar esta alegria e a tornar-se um dom para os outros, anunciando e vivendo em família, no trabalho e na sociedade este amor de Deus manifestado em Cristo Jesus.
D. Antonino Dias
Bispo de Portalegre-Castelo Branco