Jorge Teixeira da Cunha, Diocese do Porto

Foto: Agência ECCLESIA/LFS
A presença no nosso país de grupos significativos de imigrantes de religião muçulmana (e de outros grupos) tem dado origem a alguns debates e até a alguma hostilidade por parte de grupos cristãos. Foi o que aconteceu recentemente no Porto. A autarquia portuense tinha intenção de ceder edifícios para a prática do culto islâmico. Porém, perante o debate que o assunto despertou, decidiu deixar a proposta para ocasião futura. Como colocar esta questão, sem se deixar levar pela emoção descontrolada ou pelo tolerantismo puro e simples? Ambos os raciocínios carecem da devida ponderação que deve acompanhar o assunto.
Está fora de dúvida que deve haver uma política de imigração, para que a chegada indiscriminada de pessoas não torne impossível a devida hospitalidade e a garantia das condições de vida a quem demanda o nosso país. Em linha de princípio, é conveniente eleger fontes de imigração que sejam mais fáceis de integrar, pela afinidade cultural, histórica e religiosa. Este debate está por fazer e, por isso, a chegada de imigrantes tem sido relativamente caótica, não sendo de excluir algum cinismo por parte de decisores políticos, pouco cuidadosos com defender o bem de quem está e o bem de quem chega.
Quando os imigrantes já estão entre nós, temos de os receber de maneira conveniente. Ora, do ponto de vista que nos interessa, trata-se de os incluir nas garantias e nos deveres consignados na lei da liberdade religiosa. Esta implica que as instituições estatais se pensem a si mesmas na base da justiça devida a todas as comunidades e não noutras ideias. Reparemos que o princípio da igualdade implica que os grupos religiosos sejam tratados segundo as diferenças que são relevantes para isso. A antiguidade e o mérito não podem ser completamente ignoradas. O direito de associação pacífica também não pode sofrer limites injustos. Por isso, não está proibido que o Estado ou as autarquias provejam condições para que, segundo a justiça, seja garantida a possibilidade da associação religiosa. O fenómeno religioso tem uma grande importância para o equilíbrio individual e social das pessoas. Longe vai o tempo em que se hostilizava a religião como factor nocivo. Reparemos que a lei da liberdade religiosa implica direitos e deveres para as comunidades e, portanto, é uma forma de integrar e de responsabilizar as comunidades imigrantes antigas e novas.
Não apenas o Estado, mas também as comunidades têm um papel decisivo no bom funcionamento das relações entre religiões. A elas compete iluminar a sua crença e a sua ética, à luz da razão e da tradição. Uma vigilância contínua é necessária. Nós europeus ensaiámos o princípio da laicidade que nos garante a convivência plural e pacífica. Quem decide viver entre nós tem de ser incluído na base da aceitação e da exigência do respeito. A tradição muçulmana tem muito que crescer neste capítulo. Mas não está dito que esse crescimento não possa vir a acontecer. Por nossa vez, os que somos cristãos de velha tradição, temos de crescer na advertência da importância da nossa fé para a construção da paz e da democracia. Não é com movimentos irracionais e populistas que seremos dignos da nossa tradição. Pelo contrário, nós cristãos necessitamos de um ensaio contínuo da tolerância robusta, do diálogo iluminador, do testemunho lúcido perante as outras religiões que começam a viver entre nós. Seremos capazes disso? A escuta de Deus nunca está acabada. Temos de o testemunhar e de o exigir, na convivência entre religiões. Mas temos de ser capazes de mostrar a vivência de Jesus Cristo como um caminho de iniciação do ser humano à fé de uma forma incomparável. Temos também de saber escutar o ponto de vista das outras religiões, como formas de escuta do divino e de o confrontar com o nosso.
Devem as nossas instituições estatais ceder edifícios e meios para garantir a prática religiosa? Sim, desde que o façam no contexto da lei da liberdade religiosa, a qual implica fazer justiça a todos: tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente.
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