A JOC faz 100 anos

Joaninha, presidente nacional da JOC de 1990 a 1992

Em 1925 nasce a JOC na Bélgica, reconhecida oficialmente pela Igreja Católica na pessoa do Papa PIO XI, respondendo ao apelo gritante e persistente do Pe. Cardijn. O próprio Cardijn, filho da classe operária e Padre da Igreja Católica, não ficava indiferente à situação dos jovens trabalhadores que via diariamente caminharem para as fábricas, sujeitos a condições de trabalho e de exploração e, rapidamente, compreendeu que era urgente reconhecer a sua dignidade e “salvar a juventude operária”.  Isso só poderia ser feito através da organização dos próprios jovens, rapazes e raparigas, num movimento que os acolhesse e representasse.

O movimento desenvolveu-se em poucos anos na Europa e chegou a Portugal em 1935, tal como chegou a todos os continentes. Cardjin teve essa visão universalista, de que os jovens trabalhadores, independentemente da região do mundo, eram vítimas de injustiças e desigualdades, por isso era necessário um movimento que também respondesse com ações de dimensão nacional e internacional, experienciando a força da solidariedade.

A celebração do centenário da JOC que ocorre agora na Bélgica, entre o dia 1 e o dia 12 de maio, (ver programa), será uma oportunidade de intercâmbio entre jovens do mundo trabalhador e popular e também um encontro entre antigos e atuais militantes que querem refletir sobre o que se pode construir juntos. Uma celebração que também tem permitido uma aproximação entre as duas estruturas internacionais CIJOC e JOCI, organizando momentos de análise e de ação comuns, que anunciam alguma esperança na construção de pontes para o diálogo, porque os desafios que estão hoje colocados à humanidade e particularmente às juventudes do presente, independentemente da região do mundo, só podem ser ultrapassados através da ação conjunta e da solidariedade.

Celebrar a nossa “escola de vida”, Porquê?  Para quê? e com Quem?

Quando estamos entre antigos militantes e lembramos o nosso tempo de andar na JOC, são habituais as expressões “A JOC foi o que me formou para a vida”, “Foi na JOC que aprendi a ser capaz de expor as ideias, perder o receio de falar em público”, “O método da Revisão de Vida: VER, JULGAR e AGIR, é o que ainda hoje aplico na minha forma de estar no trabalho, estruturar a ação: definir objetivos, estratégias, realizar atividades e avaliar o que se faz. Não aprendi isso na faculdade, foi na JOC”, “Foi na JOC que construi as amizades que ainda hoje tenho e mesmo que estejamos muitos anos sem nos vermos, é como se tivéssemos estado juntos ontem”, “Foi na JOC que conheci o meu companheiro(a) de vida”, “Foi a JOC que me levou a descobrir que agir como Jesus era assumir o meu compromisso militante no sindicato”, “Ser Igreja é dar testemunho duma fé enraizada na vida concreta e defendendo valores”.

De facto, foi nos grupos de base (aprendizes, militantes ou iniciação), que através da Revisão de Vida, começámos a tomar consciência da realidade, demos passos para definir o campo de ação do militante e do grupo, forjando o sentido critico gerador da ação. A dimensão nacional JOC, proporcionando a experiência de intercâmbio com outras dioceses, os encontros de formação e semanas de estudo, ricas em partilhas e descobertas, confrontando e debatendo a análise das realidades, desde o nível local ao nacional e internacional, consolidavam o sentimento de pertença a um movimento libertador pela emancipação dos jovens trabalhadores e do meio popular Entre eles, por eles e para eles”.

Queremos celebrar os 100 anos, porquê? Porque a JOC não se explica, vive-se e como “escola da vida” teve um papel determinante na luta contra a ditadura antes do 25 de abril de 74, assim como na construção democrática do nosso país, ao longo destes 50 anos. Porque são muitas as gerações de militantes que foram e continuam a ser quadros com peso nas organizações sociais, nos sindicatos, nos partidos, nas associações locais e culturais, nas autarquias, nos movimentos cristãos. Porque somos feitos de história, de experiências e de memórias, que dão significado à nossa identidade e são a razão para continuarmos a querer construir um mundo mais justo e fraterno.

É por isso que promover o encontro entre antigos e atuais militantes, pode ser um momento rico de diálogo entre gerações, na partilha de algo que nos une e isso, por si só, já justificaria a vontade de fazer a festa! E porque acreditamos que a partir do nosso olhar de adultos comprometidos, com a distância saudável em relação ao que foi o movimento nas nossas diferentes épocas, podemos trocar experiências e transmitir um legado que pode ser útil se a JOC atual o desejar.

Para muitos de nós, o papel da transmissão da memória histórica do movimento, foi sendo garantida em cada época, pelos assistentes que acreditaram na JOC e no seu projeto libertador da classe operária, fazendo a opção por uma pastoral assente nos apelos da realidade de vida de muitos jovens e num processo formativo, estruturado com e pelos militantes e dirigentes nacionais. Na JOC “é preciso recomeçar e recomeçar sempre” e numa organização de jovens, onde os dirigentes que vão saindo levam consigo a aprendizagem, a formação, o saber fazer, ter um assistente que é o adulto portador da herança que recebeu do movimento, permite dar sustentabilidade e assegurar que a JOC continue a ser a escola onde os jovens do mundo do trabalho e popular aprendem a transformar-se a eles próprios para serem “fermento na massa.  A ausência de um apoio claro e explicito à assistência ao movimento, será uma das causas que contribuiu para a sua fragilidade.

O apelo da realidade é assim tão diferente?

Os jovens do meio trabalhador e popular, continuam a viver uma vida marcada por problemas gritantes: trabalho precário, sem contrato, à tarefa, baixos salários, dificuldades de acesso a alojamento estudantil para quem tem que se deslocar para as universidades, falta de habitação acessível, ter que permanecer em casa dos pais até idades tardias, racismo, pobreza, exclusão no acesso aos bens culturais, entre ouras. Acresce o peso de situações difíceis de compreender e de mudar, como as alterações climáticas, as crises migratórias, o receio da proximidade da guerra, com impactos na saúde mental de muitos. O facto de se adaptarem ao que a sociedade lhes impõe, não significa que não tenham aspirações e não queiram ser reconhecidos como cidadãos de pleno direito.  Se não é possível perspetivar um futuro e conquistar a tão desejada autonomia aceitar viver cada dia já é uma conquista, na procura de oportunidades para se fazerem ouvir.

Também por isso queremos celebrar 100 anos, Para quê?

Para lembrar às instituições públicas, políticas, à Instituição Igreja, desde o nível local ao nível internacional, a atualidade do método VER, JULGAR, AGIR e afirmar que a JOC continua a ser necessária para formar militantes e dirigentes cristãos comprometidos nas estruturas das comunidades.

Para lembrar que a maior herança que Cardijn deixou a cada geração de militantes é o método VER, JULGAR, AGIR e o processo educativo da JOC que utiliza os inquéritos, as campanhas nacionais, a formação, o jornal, o boletim militante, o processo de iniciação à JOC. Instrumentos que contribuem para garantir a continuidade do movimento, em cada época, porque são o património que recebemos e se deseja que possa ser partilhado de geração em geração.

Para trazer à luz a singularidade do método, que parte sempre da realidade de vida dos jovens: numa visão holística, que tem em conta todas as dimensões da vida, permite analisar as causas e as consequências: à luz de Declaração Universal Direitos do Homem, da  DSI, do  Evangelho, da História do Movimento Operário e das conquistas dos  trabalhadores; dando dar os meios e criando as oportunidades para agir: defender ideias, apresentar propostas aos decisores  políticos, criar soluções à medida das capacidades das juventudes, não apenas no trabalho, mas em todas as áreas da vida.

Para afirmar que “a dignidade de cada jovem trabalhador não é negociável: cada geração de jocistas o lembra, citando Cardijn ‘cada jovem trabalhador vale mais que todo ouro do mundo’. É um marco incontornável. Esta dignidade é por vezes adquirida ou a conquistar no mais concreto da vida de cada um, ela alimenta uma solidariedade que não se limita a ações ‘ocasionais marcantes, mas reconhece-se num estilo de vida perante o outro que é meu irmão. Uma tal sociedade constrói-se num combate incessante pela justiça sob todas as formas, desde a vida quotidiana às realidades internacionais. Todos estes aspetos marcam a análise da realidade, a sua avaliação e a organização da ação”.

Uma celebração que é vida e Fé partilhada, em contraponto com o isolamento, as desigualdades e a marginalização e que seja um grito de alerta para continuar a inspirar as juventudes de hoje.

O centenário, com quem?

Com a JOC atual! Porque acreditamos que o movimento é dos jovens que agora são os portadores e continuadores deste percurso de descoberta, de formação, de ação e duma presença da Igreja na vida daqueles que são mais frágeis e se encontram excluídos do acesso a uma vida com direitos.

Sabemos, por experiência vivida, que cada geração, no seu tempo histórico e de acordo com a situação política e social, foi capaz de enfrentar os desafios com que estava confrontada e encontrou as respostas adequadas para os ultrapassar. Assim será hoje!

Não pedimos nada, mas contam connosco. Queremos celebrar o centenário não por razões de nostalgia do passado, não porque no nosso tempo é que era…, mas porque um movimento como a JOC faz falta às juventudes, à nossa sociedade e às suas organizações e, faz falta à Igreja, ter no seu seio militantes comprometidos, capazes de dar voz aos que hoje são os excluídos do acesso aos direitos fundamentais.

Com a JOC, porque a JOC é um espaço de liberdade e de afirmação de que “cada jovem trabalhador vale mais que todo o ouro do mundo”.

Joaninha
Militante de base do grupo de militantes do Cacém, Diocese de Lisboa, coordenadora diocesana Lisboa e dirigente livre de 1987 a 1990 e presidente nacional de 1990 a 1992.

Referências:

« Cardijn » Marguerite Fievez et Jacques Meert, EDOC, Porto 1982

Texto de Jean-Claude Brau, colóquio antigos jocistas, junho 2016

Documentos pessoais da JOC Portuguesa

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