Padre Hugo Gonçalves, Diocese de Beja
O caminho sinodal iniciado nos últimos anos tem sido palco de imensa reflexão e discussão sobre as imensas temáticas que fazem parte da Igreja nos tempos hodiernos, entre as quais se tem destacado o papel da mulher na mesma e da necessidade deste ser reforçado. Se, por um lado, a maior parte dos contributos apontam para a participação das mulheres em funções e missões de governo e com poder de decisão, por outro lado existem também aqueles que preferem abordar numa perspetiva de admissão das mulheres ao Sacramento da Ordem. Deste modo, importa esclarecer que, se a controversa ordenação de mulheres atentaria contra a instituição divina do sacerdócio, o mesmo não se dirá acerca da participação das mulheres nas estruturas eclesiais de governo e de acção pastoral, sobretudo tendo em conta que essa é já uma realidade em muitas das paróquias e nalgumas dioceses, realidade esta que se espera que venha a ser potenciada.
Trago esta reflexão porque, aparentemente, quer nos media quer em alguns sectores católicos, parecem querer sugerir que as mulheres estão votadas ao ostracismo na Igreja, que a mesma tem um pendor patriarcal e que menoriza a mulher. A verdade é que, quando nos sentamos a pensar como estão organizadas as nossas paróquias e dioceses, quem ocupa os lugares mais importantes e por vezes decisivos na vida destas, são precisamente as mulheres. Vejamos então:
- Quem é que tem o sector importantíssimo da transmissão da fé na comunidade, isto é, a catequese? A resposta certamente recai sobre as mulheres, pois poucos são os homens que desempenham a nobre missão de catequistas;
- Quem é que coordena a catequese nas paróquias e certamente na grande parte das dioceses portuguesas? Na sua maioria, as mulheres;
- Nos conselhos económicos paroquiais, quem está em maioria? As mulheres.
- Nos conselhos pastorais paroquiais e diocesanos, quem está mais representado? As mulheres.
- No que se refere aos ministros extraordinários da comunhão, são os homens ou as mulheres que estão em maioria? A resposta é evidente: as mulheres.
- Quem está à frente da maioria dos movimentos laicais? As mulheres.
Poder-se-iam elencar ainda mais sectores da vida da Igreja na medida em que as conclusões iriam sempre evidenciar o resultado que todos conhecemos, ou seja, que as mulheres são as principais protagonistas nas nossas paróquias e nas nossas dioceses. Hoje vemos, quer ao nível da Cúria Romana, quer na especificidade das estruturas das nossas dioceses e paróquias, que as mulheres assumem a liderança e têm poder de decisão em imensas e variadas missões e instâncias da vida eclesial. Como tal, será profundamente redutor e demasiadamente funcionalista cingir a discussão do papel das mulheres à questão do seu acesso ao Sacramento da Ordem que, como referi, é de instituição divina e por isso não pode ser alterado pelo homem.
Importa ainda acrescentar que, aparentemente, a grande problemática pode não se reduzir ao lugar da mulher na vida da Igreja, visto que o assunto demonstra ter raízes mais profundas, ou seja, a incapacidade de envolvimento dos leigos – mulheres e homens – na vida da Igreja. Por isso, urge pôr em prática os desafios que brotam do Concílio Vaticano II, ainda por implementar neste âmbito do laicado, e tantas vezes hipotecado por aqueles clérigos que ostentam a bandeira da desclericalização mas que continuam a alimentar estruturas diocesanas geridas maioritariamente por eclesiásticos. A participação dos leigos em lugares de gestão da vida das dioceses não pretende substituir o lugar e a missão dos ministros ordenados, mas sim usar a lógica dos Atos dos Apóstolos, onde os clérigos são chamados ao exercício e às atividades próprias da sua vocação e ministério, deixando para os leigos as realidades onde eles têm mais competências técnicas e conhecimento para os mesmos. Por este motivo e pelo que a experiência vai demonstrando, a pastoral social, a catequese ou até mesmo os Economatos diocesanos beneficiarão muito mais com a presença de leigos competentes e com formação técnica do que com o amadorismo ou o desconhecimento técnico dos eclesiásticos. Por outro lado, também é preciso acolher e aceitar as análises e propostas feitas pelos leigos nos conselhos pastorais paroquiais e diocesanos, ultrapassando o imobilismo e pouca vontade de enveredar por caminhos novos nos planos pastorais, o medo de reformulação ou reforma administrativa nas dioceses, a conceção da paróquia e do papel do pároco na sociedade atual, e tantos outros contributos que o laicado pode aportar à vida da Igreja a partir da experiência que o mesmo faz mergulhado no mundo.
Em suma, o papel da mulher na Igreja e, como vimos, dos leigos em geral, assume nos dias de hoje uma importância nuclear. No entanto, o desafio será perceber em que medida podemos potenciar ainda mais este contributo decisivo à luz da doutrina conciliar, onde a missão das mulheres se insere no meio do mundo e nas atividades próprias da sua condição sem que, para isso, as enclausuremos nas sacristias ou as reduzamos à impossível solução do Sacramento da Ordem. Está mais que evidente que a missão evangelizadora da mulher e o seu contributo na Igreja não pode ficar fechada nos templos, mas espera-a um desafiante horizonte que é a sociedade dos nossos tempos.