A iminência da morte e a morte da eminência

Padre Diamantino Alvaíde, Diocese de Lamego

Duas realidades implicadas. Duas verdades entrelaçadas. Duas declarações interrogadas.

Todos os tempos são propícios para que estas duas realidades nos interpelem, nos inquietem e nos impulsionem. Mas este é um tempo ainda mais interpelador, mais inquietante e mais impulsionador.

A Quaresma é a autoestrada escancarada para o encontro com a morte de Jesus. O decurso dos dias agudiza a iminência da Sua morte e, simultaneamente, acelera a morte da Sua eminência. Não se trata de uma eminência que Ele tenha granjeado. Mas de uma protuberância que inevitavelmente Lhe foi sendo atribuída, ao ponto da Sua entrada em Jerusalém ter tido aclamações reais. No entanto, com o termo da Sua vida terrena cai por terra essa proeminência. Passou de eminente a rebaixado, de herói a fracassado, de triunfante a derrotado. Sabemos que não foi por muito tempo. Porque a indigência da morte ficou manifesta diante da portentosidade da Ressurreição. E agora, a Sua eminência é intemporal.

No entanto, estes quarenta dias quaresmais, e todas as demais quarentenas da nossa peregrinação sobre a Terra, são calcorreadas, grande parte do tempo, com o pensamento cravado não apenas na morte de Jesus, mas na iminência da nossa própria morte. No quando e no como, no onde e no porquê. No que foi, a de quem já partiu antes de nós, e no que será, quando chegar a nossa inevitável vez. E aqui, sim, começa a fazer sentido a morte da nossa eminência. Se nada pode impedir a morte, se ninguém a pode adiar, de que serve querer enfrentá-la num patamar superior? De que vale arrogarmo-nos mais ou melhores que alguém, se na hora mais certa, mais surpreendente e mais importante da nossa vida a morte cala-nos a todos por igual? Se não lhe podemos fugir e se, neste mundo, não a podemos vencer, porque a tentamos ignorar?

Afinal, a morte nivela-nos. E a sua permanente iminência assusta-nos. E se nos assusta devia eminentemente humildar-nos. Gastamos uma parte significativa da nossa vida a engordar de altivez o nosso ego, a insuflar orgulho no nosso prestígio e a fertilizar com aparência a nossa fama. Percorremos demasiadas distâncias existenciais atrás de força para a nossa ascendência, à procura de alimento para a nossa vaidade e em busca de sustento para a nossa sobranceria. Perdemos muito do nosso precioso tempo a justificar os nossos desgostosos fracassos, a legitimar as nossas degradantes injustiças e a desculpar as nossas perturbadoras omissões.

No fundo, lembramo-nos pouco da incerteza do futuro, da velocidade do presente, das lições do passado. Por isso, engrossamos sempre mais a agenda, controlamos cada vez melhor o relógio, alargamos indefinidamente o calendário. Parece que havemos de viver para sempre. E como tal, nem a iminência da nossa morte nos trava, nem a morte da nossa eminência nos desafia. Vivemos como quem nunca há de morrer. E morremos com pena do muito que ficou por viver.

Pe. Diamantino Alvaíde, Coordenador da Pastoral diocesana

(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.)

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