A Igreja vive da Palavra

Frei Herculano Alves afirma que «não é possível viver o cristianismo sem conhecer o Livro onde está escrito o que é ser cristão» O Sínodo dos Bispos sobre “A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja”, que terminou no dia 26 de Outubro, deverá ser um marco importante e decisivo da presença da Bíblia na Igreja Católica. Este lema, que presidiu aos trabalhos do Sínodo, diz bem da importância maior que a Bíblia deveria ter para todos os católicos. Nestas palavras, vamos cingir-nos apenas à VIDA. Vida é, em primeiro lugar, conhecimento da Bíblia; pois esta nunca entrará realmente na vida dos cristãos em particular e na vida da Igreja em geral, sem que a conheçamos previamente; pois não é possível viver o cristianismo sem conhecer o Livro onde está escrito o que é ser cristão. Ora, este conhecer implica necessariamente termos e acções que são estranhos a muitos católicos: estudo da Bíblia, participação em cursos de formação bíblica, uso diário da Bíblia, a sua utilização na catequese, na pregação, na oração diária… (Dei Verbum, 25). Este conhecimento da Bíblia, como Palavra de Deus, levará a amar a Palavra, e só o amor à Palavra pode levar ao “casamento” com a Palavra e a ter uma vida em comum com ela, ou seja, com o Deus da Palavra. Nada disto carece de ser provado, pois ninguém ama quem desconhece. Com maior razão, não é possível viver uma Palavra, que se desconhece. Portanto, a Bíblia é o livro dos cristãos em geral e de cada cristão em particular. Cada um de nós, que se diz cristão, deveria possuir a sua Bíblia pessoal e levá-la sempre consigo, como quem leva um amigo íntimo, de quem não consegue separar-se. Só neste contacto íntimo e permanente com o Deus da Bíblia – e não há outro! – será possível colocar a Bíblia na vida dos cristãos católicos individualmente, na vida das comunidades cristãs, a fim de que as palavras da Bíblia sejam o paradigma, o ponto de referência fundamental da vivência dos nossos cristãos. As intervenções dos padres sinodais vão neste sentido, tentando apresentar meios para que este ideal se torne uma realidade na Igreja do séc. XXI. O Movimento de Dinamização Bíblica dos Franciscanos Capuchinhos – que é anterior ao Vaticano II – tentou, desde meados do século passado, levar a Bíblia ao povo, que é o mesmo que levar-lhe o Deus da Bíblia. Um slogan resume esta actividade: Com a Bíblia na mão e o Deus da Bíblia no coração. A formação bíblica nem sempre encontrou o ambiente capaz, o terreno bem preparado, para dar frutos. E penso que é isso que falta na Igreja portuguesa. Não havendo uma pastoral bíblica a nível nacional, diocesano e local, todos os esforços individuais são dificilmente aceites, e o trabalho torna-se, em grande parte, inglório. Depois do Sínodo, a Igreja não pode continuar a ser a mesma. Ele deve marcar um antes e um depois na relação dos católicos com a Bíblia, isto é, com o próprio Deus falante da Bíblia. De facto, estes têm feito uma dicotomia anti-teológica, operando uma diferença entre Deus e a Bíblia, entre Deus e a sua Palavra, quando se trata, fundamentalmente, da mesma coisa. Isto acontece quando pensam prestar um verdadeiro culto a Deus, sem prestar atenção à sua Palavra. Mais ainda, os católicos têm feito uma outra dicotomia ilegítima entre sacramentos e palavra de Deus, quando, na realidade, os sacramentos supõem a Palavra, já que não pode haver sacramentos – e outros rituais litúrgicos – sem a raiz da palavra de Deus. Para obviar a tudo isto, é necessário que sejam criadas verdadeiras estruturas pastorais dentro da Igreja e pela Igreja, para dar o devido relevo à Palavra. A Dei Verbum 21 colocou a premissa teológica há 43 anos, na qual se dá o mesmo valor à Palavra e à Eucaristia (e sacramentos): “A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais (…) de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da Palavra de Deus, quer do Corpo de Cristo”. Ora, estas estruturas apenas serviriam para pôr em prática a Dei Verbum de há 43 anos! Estas estruturas deveriam ter um alcance maior que a simples criação dos ministros da Palavra, que foram objecto de algumas intervenções no Sínodo. Ora, o Sínodo deve ir mais longe – esperemos que vá – criando, por exemplo, a Escola da Palavra, ou a Escola Bíblica paroquial, como meio de dar o devido relevo à Palavra nas comunidades. Porque é que o pároco há-de ter como tarefa fundamental a celebração da Eucaristia todos os dias, sem nunca haver Escola da Palavra, onde se explique e se reze a Palavra, segundo o método da Lectio divina, de que tanto se tem falado nos documentos da Igreja? É por demais evidente que o domingo, Dia do Senhor, é o dia por excelência da Eucaristia. Mas, porque não aproveitar alguns dias da semana para a formação bíblica e a oração, na comunidade reunida na igreja com a Bíblia na mão, sem a Eucaristia? Este é apenas um exemplo, entre tantos, que poderiam dar um real valor – pedido pelo Vaticano II – à palavra de Deus. Frei Herculano Alves, OFMCap.

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