A história de um baptismo secreto

Bispo de Sapë recorda os tempos da ditadura comunista na Albânia

Foto: Fundação AIS

O Bispo de Sapë, diocese situada no norte da Albânia, descobriu a sua vocação religiosa no exemplo de um padre que passou 28 anos na prisão, quando a Albânia era um país comunista. Foram tempos muito duros em que a fé sobreviveu clandestinamente, em segredo. O próprio baptismo de D. Simon Kulli foi um exemplo disso. “Se alguém soubesse que eu havia sido baptizado, lançariam os meus avós e o resto da minha família na prisão”, afirma o prelado em entrevista à Fundação AIS…

“Nasci na Albânia há 52 anos, no auge do regime comunista.” Começa assim a entrevista de D. Simon Kulli a Maria Lozano, da Fundação AIS. Durante uma visita à sede internacional da fundação pontifícia, o Bispo de Sapë, diocese situada no norte da Albânia, recordou os tempos negros em que o seu país vivia debaixo de uma tenebrosa ditadura que declarou o país como o primeiro estado ateu do mundo. “A minha infância foi a mesma de todas as outras crianças do país, todos nós sofremos igualmente sob o comunismo”, recorda o Bispo. “Mas, graças a Deus, recebi a Fé quando ela não existia na Albânia. Quando eu tinha uma semana de vida, meus avós levaram-me e baptizaram-me secretamente. Então foi um grande milagre que meus avós tenham transmitido a Fé para mim. Estávamos fechados no nosso país. No entanto, diziam-nos que era um paraíso, que tínhamos tudo e não nos faltava nada”, disse D. Simon Kulli, sublinhando que quando o regime caiu, no início da década de noventa do século passado, praticamente ninguém sabia nada do mundo para lá das fronteiras do país. “Não tínhamos ideia de como eram a Itália, a Alemanha ou a América. Afinal, havia uma pobreza tremenda, e o regime explorava todos. A vida sob o comunismo foi definitivamente muito difícil; crescemos sem fé, sem Cristo e sem religião”, refere na entrevista à Fundação AIS.

“Não se podia fazer o sinal da cruz…”

O país procurou silenciar a religiosidade do povo, mas não conseguiu. A própria família do Bispo de Sapë é disso exemplo. A fé foi passando de geração em geração, clandestinamente, com coragem, em segredo. “Sim, a minha família, especialmente os meus avós, passaram a Fé para nós. Eles nos ensinaram as orações, o Pai Nosso, o sinal da cruz, a Ave Maria. Mas sempre em segredo, num ambiente familiar. Na Albânia, não podíamos falar sobre isso na escola ou com nossos amigos, pois, caso contrário, os nossos avós seriam presos. O regime era feroz, não se podia nem fazer o sinal da cruz. Em casa, rezávamos o Pai Nosso antes das refeições. Lembro que o meu avô fazia o sinal da cruz voltado para uma parede vazia, e eu não sabia porquê. Mas depois, quando o regime caiu, ele explicou que havia embutido um crucifixo dentro da parede”, recorda o prelado. E o mesmo aconteceu em muitas outras famílias. O próprio baptismo de Simon Kulli foi exemplo de como as famílias arriscaram tanto tantas vezes para preservarem uma fé que o regime procurava silenciar. Kulli foi baptizado por uma religiosa Estigmatina idosa, que todos conheciam como “tia” e que agia secretamente. “Ela trazia o Santíssimo Sacramento das prisões, onde lhe era entregue por padres encarcerados, na Albânia. Os padres celebravam clandestinamente, e depois entregavam as hóstias consagradas para a Irmã Maria, escondidas entre a roupa suja, para que ela pudesse levá-las aos doentes. E esse baptismo que recebi foi um grande presente que o Senhor me quis dar, em segredo, no auge do regime comunista. Se alguém soubesse que eu havia sido baptizado, lançariam os meus avós e o resto da minha família na prisão”, afirma o Bispo.

O nascer da vocação religiosa

E era preciso mesmo ter muita coragem para se enfrentar um regime que condenou milhares para penas degradantes na prisão apenas por ousarem viver a sua fé. D. Simon Kulli diz agora à Fundação AIS que teve “a sorte” de conhecer alguns desses heróis, desses “mártires vivos” que “sofreram anos na prisão, alguns por 28 anos…”. O contacto com estes sacerdotes foi de tal forma importante que foi daí, desses encontros, que nasceu a sua própria vocação. “A minha vocação surgiu ao ver um daqueles padres antigos celebrando a missa em latim pela primeira vez na minha paróquia. Foi a primeira missa após a libertação da fé na Albânia. Foi exactamente naquele momento que senti a minha vocação. Enfim, ao ver aquele padre sofredor, que tinha tanta dificuldade em celebrar a missa, que estava curvado no altar por causa dos anos de prisão, pensei que poderia substituí-lo. Assim, foi ali que nasceu a minha vocação sacerdotal. A primeira pessoa com quem conversei sobre isso foi a Irmã Maria, a irmã que me baptizou”, confidencia. No final da entrevista, o prelado fez questão de deixar também uma palavra de agradecimento por tudo o que a Fundação AIS tem feito ao longo dos anos pela Igreja, pela comunidade cristã da Albânia. “Que o Senhor abençoe cada pessoa que estende a mão aos mais pobres e os recompense abundantemente pela sua generosidade para com a Igreja e os necessitados no mundo. Mil graças pelo vosso apoio. Agradeço de todo o coração!”

Paulo Aido

Partilhar:
Scroll to Top