Luís Subtil, Vicentino
Falar ou escrever sobre a ação social e caritativa é tarefa sempre difícil, porquanto a mesma é uma realidade mais prática do que teórica. Jesus Cristo também realizou primeiro o mandamento do amor e só, posteriormente, o sintetizou teoricamente. Primeiro, o exemplo do amor gratuito; depois, a palavra desafiadora ao seguimento: «dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também» (Jo 13, 15).
No atual contexto socioeconómico, a Igreja deve ser o rosto atento aos homens e mulheres que, no hoje da nossa história, vivem muitas vezes uma situação verdadeiramente dramática. Cada cristão, por si, deve estar atento ao sofrimento do seu próximo, mas isso não invalida que a Igreja tenha o seu serviço organizado da ação social e caritativa em cada comunidade paroquial. Em Portugal, nos últimos dois anos, foram dados passos assinaláveis na operacionalização dessa preocupação. O magistério episcopal e a ação dos principais movimentos e serviços que se dedicam a este setor comprovam-no à saciedade.
O testemunho que aqui deixo parte, naturalmente, da minha experiência enquanto membro da Sociedade de S. Vicente de Paulo. Certamente, será uma visão a partir desta forma específica de atuar. Aqui ficam, portanto, algumas notas sobre como eu vejo o serviço de ação social e caritativa.
Em primeiro lugar, penso que a preocupação dos Grupos de Ação Social (GAS) deverá ser enfrentar o problema da pobreza numa dupla dimensão, a saber: nos seus efeitos e nas suas causas. Se, à partida, toda a pessoa nasce para a autonomia, então os GAS devem ajudar a pessoa a caminhar nesse sentido. Uma ação social centrada unicamente nos efeitos da pobreza poderá correr o risco de gerar dependências constantes. Uma ação social baseada neste duplo pressuposto deverá ser assumida numa perspetiva mais alargada de trabalho em rede que vá muito além das fronteiras da própria Igreja.
Em segundo lugar, entendo que não é suficiente que a Igreja tenha estruturas de atendimento/acolhimento onde as pessoas possam ir expor as suas próprias situações. É importante que as comunidades paroquiais tenham um GAS que se comprometa com o acompanhamento das pessoas que se encontram em situação de pobreza. Todavia, isto não dispensa que cada cristão assuma o compromisso de desenvolver uma consciência de boa vizinhança, assumindo o imperativo de uma atenção, sem invasão, à vida do seu próximo. Isto tanto pode acontecer nos ambientes onde as pessoas vivem como nos ambientes onde elas trabalham. Só com esta consciência se poderá chegar à sinalização de muitas situações de pobreza que, por serem envergonhadas, se tornam menos evidentes.
Em terceiro lugar, embora cada GAS já implantado e com trabalho no terreno tenha as suas estruturas próprias de criação e difusão de novos grupos, parece-me oportuno que cada comunidade paroquial se questione se está a fazer o que deve nesta área. Creio que o discernimento dos carismas da comunidade será um bom passo para encontrar os servidores da caridade, tão necessários como os servidores da catequese ou da liturgia. Falta-nos, por vezes, a serenidade para olharmos à nossa volta com espírito positivo e a ousadia para sermos a mediação de Cristo que chama cada um a uma missão.
Em quarto lugar, no desenvolvimento da sua ação, os GAS deverão valorizar a aplicação do princípio da subsidiariedade, que evita que se corra o risco do assistencialismo paternalista. O trabalho dos GAS deve ter a preocupação de tornar a pessoa em situação de necessidade capaz de desenhar um pouco do rumo da sua história pessoal, assumindo-se como uma ação complementar e não substitutiva da pessoa.
Em quinto lugar, cada membro de um GAS deverá assumir o paradigma proposto por Jesus na parábola do bom samaritano: ser capaz de parar e aproximar-se, olhando com compaixão a realidade do outro que sofre e prestando-lhe uma ajuda afetiva e efetiva, através da mobilização das estruturas que poderão dar o seu contributo.
Concluindo, a solidariedade tem sido palavra bem presente na gramática existencial de muitos portugueses que, de variadíssimas formas, têm dado o seu contributo para que a nossa sociedade seja mais justa. Os servidores da caridade devem estar inseridos nos fóruns locais onde hoje se faz a reflexão sobre a ação social, nomeadamente, nas redes sociais concelhias, pois o trabalho social e caritativo, levado com esperança, imprime em nós uma postura de abertura e simpatia para com todos os que trabalham na defesa e promoção da dignidade humana e da justiça.
Luís Subtil, Vicentino, Presidente do Conselho Central de Coimbra da SSVP