A graça dos carismáticos

Padre Tiago Machado, Diocese de Lamego

Chamar graça a um qualquer benefício por parte de Deus está certo, mas não distingue entre a várias categorias de graças que existem, como quem fala de um automóvel sem distinguir entre ligeiro ou pesado.

São Tomás de Aquino distingue entre a graça santificante (gratum faciens) pela qual nos unimos mais perfeitamente a Deus, e a graça gratuita (gratis data) pela qual a pessoa coopera na aproximação de outra a Deus (S. Theo. I-II, q111 a1).

Uma vez que o conceito de graça procede do vocábulo grego «kharis», não é difícil que surja confusão com a palavra carismático, que procede de «kerygma». A primeira significa favor de Deus, disposição favorável para com alguém, ou simplesmente graça. A segunda, significa proclamação ou anúncio. Semelhantes na raiz etimológica, ambas as palavras significam conceitos diferentes. No entanto, continuam unidas em tanto quanto o anúncio da mensagem cristã carece de graças que o tornem eficiente.

O apóstolo são Paulo esclarece a comunidade de Corinto sobre a acção diversificada do Espírito Santo na Igreja onde, ainda assim, permanece sempre a unidade (1Cor 11, 7-12), elencando os vários dons que se configuram como graça gratuita. Nesta senda, são Tomás de Aquino, citando o apóstolo são Paulo, identifica as diversas graças gratuitas que o Espírito Santo derrama sobre a pessoa que quer dispor a cooperar na aproximação de outros a Deus (S. Theo. I-II, q111 a4).

Primeiro, a pessoa deve conhecer a mensagem que vai anunciar. Para tal, o Espírito Santo concede a sabedoria pela qual se conhecem as realidades divinas, a fé pela qual se tem a certeza da veracidade desses mistérios e a ciência pela qual se conhecem as realidades humanas. Santo Agostinho clarifica que estes conhecimentos não servem simplesmente para aproximar o próprio de Deus mas para se aperceber de como os fiéis beneficiam deles (De Trin. XIV 1) para mais tarde os administrar para o bem das almas.

Em segundo, a pessoa tem que confirmar e provar a veracidade daquilo que está a anunciar. Para tal, o Espírito Santo concede os dons ao intelecto para profetizar ou discernir os espíritos, e à vontade para operar curas milagrosas ou prodígios. Por exemplo, Jesus Cristo, tendo discernido que os escribas pensavam mal em seus corações por Ele ter perdoado o paralítico, cura este “para saberdes que o Filho do Homem tem na terra o poder de perdoar os pecados” (Mt 9, 6).

Por último, para que a pessoa consiga expor as realidades divinas, o Espírito Santo concede os dons do conhecimento de línguas e de interpretação das palavras.

A pessoa que se veja favorecida (kharis) por estas graças gratuitas está então disposta por vontade divina especial à missão de anunciar (kerygma) a boa-nova de Deus.

Assim, carismático não é aquele que faz muito barulho quando reza mas aquele a quem o Espírito Santo confiou graças particulares para anunciar o Reino de Deus e convidar à conversão.

A graça dos carismáticos é um tesouro trazido em vasos de barro (2Cor 4,7). É dom que ultrapassa a capacidade da natureza e o mérito da pessoa (S. Theo. I-II, q111 a1), com o qual a divina providência favorece toda a Igreja.

Da fé inabalável e sabedoria altíssima com as quais a irmã Lúcia foi agraciada no silêncio contemplativo do Carmelo, ao conhecimento de línguas e cirúrgica interpretação das palavras de Bento XVI, passando pelo discernimento dos espíritos de São João Paulo II que guiou a barca da Igreja até ao século XXI, as pessoas carismáticas marcam indelevelmente a história da salvação sempre com a mesma mensagem: Jesus Cristo é o Senhor!

 

Padre Tiago Machado
(Anuário Católico: https://www.anuariocatolicoportugal.net/ficha_padre_paroquia.asp?cleroid=20003)

 

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