A frescura da natureza no caminho

O dia começa serenamente entre os peregrinos. Um noite fria no chão da paróquia da Virgem Peregrina faz desejar não voltar a repetir a experiência. Mas só o caminho o dirá. Pontevedra está em festa. O caminho indica passagem obrigatória pela Igreja da Virgem Peregrina para onde as artérias da cidade convergem. Esta igreja é paragem obrigatória do caminho para conhecer o interior, para rezar e, claro, para carimbar as credenciais. “A Virgem muda de manto consoante a festa”, explica o Pe. António Machado. Agora veste-se de branco, pega no bastão de peregrina e na cabeça tem o chapéu do peregrino. O caminho aponta para a saída do centro histórico da cidade onde no chão de uma rua se lê “por esta porta entravam os que vindo de Portugal íam a Santiago”. Faz lembrar quantos não terão percorrido o mesmo caminho que o grupo de 18 peregrinos de São Martinho do Vale. Saindo do centro atravessa-se a ponte com a concha a indicar a direcção do caminho, mas faltam os quilómetros. Infelizmente, não poucas vezes, faltam indicações dos quilómetros nos marcos das conchas. Frequente é ver várias pedras, em cima dos mesmos marcos, indicando quem por ali passa. O caminho continua a pouco e pouco a distanciar-se da cidade, seguindo por entre os prédios, onde uma placa indica “Passamos no lugar onde, segundo a tradição foi atendido o apóstolo e lhe ofereceram fruta da época”. Subindo por entre o campo, Pontevedra fica para trás. 62.086 indica a concha e mais à frente uma vivenda cheia de vieiras numa parede lateral indica que o grupo está no caminho certo. Uma clareira surge à frente, ao lado uma fonte mata a sede e se enchem as garrafas de água. Altura também para fazer a oração que começa o dia. Mais uma vez os peregrinos se metem a caminho pelo meio do mato, por trilhos onde a terra está marcada pelas pegadas dos primeiros. Sente-se a calam do campo, ouve-se o chilrear dos pássaros. O caminho segue paralelo à linha do comboio. “Somos portugueses a caminho de Santiago”, responde alguém a uma senhora que saúda os peregrinos na beira da estrada. “Bom caminho”, deseja ela. Uma descida faz os músculos sentirem o cansaço do caminho, para mais à frente, novamente em asfalto, o grupo se cruzar com os carros que passam na estrada….58.965…. Lê-se na estrada “força peregrinos Portugal. V.Dei”. A força para o caminho chega de onde menos se espera. Entra-se na floresta e um riacho corre ao lado. A frescura é imensa…um ribeiro passa por baixo dos pés e a água mistura-se com as pedras do caminho. 57.273…. Trocam-se impressões do caminho, relembram-se locais onde fotos anteriores foram tiradas, lembram-se lugares do caminho… Ana Filipa Ferreira aproxima-se e relembram-se momentos de peregrinações anteriores. A caminha a Santiago é “uma conquista, porque se atinge um objectivo que se liga À minha fé e também me liga às pessoas”, afirma a Filipa. Em cada passo, em cada sítio “tento perceber a presença de Deus na minha vida”. Cada caminho, cada experiência em cada ano é uma conquista diferente. “O caminho é o mesmo, algumas pessoas partilham novamente a experiência comigo, mas nunca é igual, porque o estado de espírito muda”. Apesar de passar duas ou três vezes pelo mesmo sítio, “sentimos de forma diferente”, porque passou tempo, viveram-se experiências que “nos faz encarar o caminho de forma diferente”. A terceira peregrinação está a ser vivida de forma “serena e madura, sinto mais o caminho”, explica a Filipa. “É um evoluir”, refere. O caminho ofereceu-lhe a percepção da capacidade de reflexão individual “que desconhecia ser capaz”. Ao longo da caminhada “devemos estar atentos aos pormenores, que é o que alimenta”, aponta. O caminhar em grupo “sustenta e ajuda a viver de forma diferente de caminhada para caminhada”. Se durante o caminho se está em constante contacto, também se proporcionam momentos de silêncio. “Aí penso na minha vida. Este ambiente oferece essa pausa para pensar”, destaca a Filipa, que espera ainda viver “muitas experiências de caminho”, em condições diferentes – em família “que acho muito interessante pelos testemunhos que tenho acompanhado”, ou quem sabe a dois. Na frescura do bosque surge uma ponte de pedra para atravessar por cima do ribeiro que acompanha o caminho. À frente, o trilho passa pela linha do comboio. A frescura e a sombra das árvores cobre os peregrinos até à entrada na estrada que leva à população ocupada na sua lida diária….54.768…. Entra-se no concelho de Barro e a conversa, a par dos passos, prossegue com a Idalina Azevedo. Esta é a primeira de muitas peregrinações. O seu projecto inicial seria fazer o percurso de bicicleta, mas sem companhia aceitou o desafio de o fazer a pé e nestes dias tem feito uma avaliação do ano que tem vivido. “Um caminho de muito convívio e de reflexão”. O próprio caminho pede reflexão. Como crente “penso sobretudo na ajuda divina que vou sentindo”, explica, acrescentando que “sozinha não conseguia fazer este caminho”. Para a Idalina este é um caminho de maturidade. “No final, quem faz o caminho vai sentir-se mais maduro, mais atento ao outro”. Contemplar a catedral na chegada “vai ser uma grande emoção”, adianta, mas o fim da caminha não será “o momento de reconversão”. Os frutos virão mais tarde, “em momentos em que irei lembrar a caminhada e o que aqui assei”, por isso promete saborear a médio prazo. A procura do silêncio faz perceber que “nem sempre crio disponibilidade para rezar, para responder à minha fé”. Silêncio este procurado por crentes e não crentes, que irrompe o caminho e mexe com quem percorre o caminho. A primeira etapa do dia está quase completa…. Um desvio à frente leva o grupo de peregrinos para a uma queda de água, onde as sombras e a água fresca oferecem uma pausa. Um cenário idílico, onde só o som da água fresca a cair se pode ouvir.

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top