José Santos Cabral, Diocese de Coimbra
No mês de Setembro de 2025 foi publicitado o relatório da ONU sobre Paz e Segurança noticiando que, em 2024, os gastos militares globais militares alcançaram um novo recorde mundial atingindo o montante astronómico de US$ 2,7 trilhões, ou seja, 2.538.000.000.000 Euros. Por cada um dos habitantes deste planeta o montante gasto em armas durante aquele ano foi de cerca 300 Euros.
Esta corrida aos armamentos acontece num planeta em que mais de 780 milhões de pessoas vivem abaixo do Limiar Internacional da Pobreza (com menos de 1,90 dólar por dia) e lutam diariamente para satisfazer as necessidades mais básicas na esfera da saúde, educação e do acesso à água e ao saneamento. Mais de 160 milhões de crianças correm o risco de continuar na pobreza extrema até 2030. Segundo o relatório citado apenas 4% da despesa com armamento seria suficiente para acabar com a fome no mundo e 10% acabariam com a pobreza extrema.
A extensão, e a grandeza destes números, revela uma negação da razão de ser da nossa existência que é o desenvolvimento humano e, em síntese, a própria Vida. Gastamos imensamente mais na procura da destruição do nosso semelhante do que estamos dispostos a investir na sua sobrevivência. Por cada tanque novo, cada míssil testado, cada bomba lançada, existe uma multidão invisível de crianças que deixam de estudar, de famílias que vivem sem água potável e sem comida, de hospitais que nunca saem do papel!
Mais do que assentar em exércitos fortes e armas de destruição maciça a estabilidade e segurança mundiais deve residir na procura de uma vida digna e justa para milhões de seres humanos. Gastamos trilhões em armas, mas deixamos milhões morrerem de fome!.
A corrida aos armamentos está directamente ligada a uma outra enfermidade própria dos dias que correm pois que, para os comprar armas, os países endividam-se e essa será uma das razões que conduzem a uma dívida global que ascende, neste momento, a cerca de 290.000.000.000.000 Euros. A grandeza de tal número significa que, à escala mundial, a maioria dos países devem mais de 100% do seu PIB anual, e quase nenhum país — rico ou pobre — está imune à pressão crescente dos juros. Tal dívida pública global é um espelho da nossa civilização, refletindo a incapacidade de adiar o consumo e o desejo permanente de segurança.
Em última análise os números lançados lançam uma interrogação premente sobre a forma como no futuro será modelada a construção do Estado. Na verdade, a promessa de um Estado que protege, educa e cuida está a ser lenta, mas gradualmente, alterada para um modelo focado na segurança e na vigilância.
O Estado do futuro deverá ser mais seletivo, mais eficiente e, paradoxalmente, mais necessário do que nunca, implicando um novo contrato social, fundado na transparência fiscal, responsabilidade política e participação cívica. Os governos terão de justificar cada euro gasto, não como caridade pública, mas como investimento coletivo.
Os Estados que souberem direcionar recursos para investimentos produtivos — v.g digitalização, energia limpa, educação—conseguirão transformar a dívida em instrumento de crescimento. Porém, aqueles que insistirem em políticas vocacionadas para a despesas supérfluas e injustificadas e orçamentos inflacionados, verão o seu equilíbrio financeiro desaparecer e a confiança dos mercados ruir. A despesa admissível num Estado Social é aquela que equilibra a realização dos direitos sociais com a sustentabilidade económica.
Manter o Estado Social num mundo em guerra é um desafio, mas também uma escolha. Uma escolha entre progresso e retrocesso, entre a esperança coletiva e o desespero.
Por tudo isso vivemos tempos de perplexidade em que tudo parece em mudança. Enfrentamos crises econômicas, conflitos, desigualdades e vemos o planeta sofrendo com as consequências das nossas decisões.
Acreditar no futuro nem sempre é uma tarefa fácil pois que o temor e a dúvida tornaram-se nossos parecem companheiros constantes. Porém, acreditar no futuro é resistir à indiferença. Mais do que uma escolha pessoal é um compromisso com as crianças que hoje crescem e que um dia olharão para o mundo que deixámos.
José Santos Cabral.
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