Homilia de D. José Policarpo na Noite de Natal
1. É Noite de Natal. Esta festa cristã está envolvida numa riquíssima tradição cultural, que ajuda a criar um ambiente de paz e de beleza, contexto para esta celebração de fé. Mas a densidade desta celebração devemos procurá-la na Palavra de Deus que nos foi proclamada e que nos revela a força da esperança, enraizada na Palavra eterna de Deus e tornada acessível a todos os homens em Nosso Senhor Jesus Cristo, o Menino que nasceu em Belém.
A primeira proclamação da esperança é feita pelo Profeta Isaías. É próprio de um profeta escutar com uma profundidade especial a Palavra de Deus. E esta é eficaz, realiza o que diz, anuncia e promove. Para o profeta toda a Palavra de Deus é actual, é presente, é como se fosse dita agora, é Deus a dialogar com o seu Povo. Esta actualidade de palavras pronunciadas desde a criação do mundo, de promessas repetidamente feitas ao Povo com que Deus fez Aliança, leva o profeta a escutar essas promessas no realismo do seu acontecer. Só a escuta da Palavra de Deus dá realismo e actualidade à esperança.
Aquele Menino tinha sido repetidamente anunciado e prometido. Descendente de David, Ele seria o Rei justo que conduziria o Povo à perfeição da Aliança, à paz e à prosperidade no tempo presente e inauguraria o tempo definitivo. Esta promessa de Deus é de tal maneira viva, que o profeta a sente realizar-se: “Um Menino nasceu para nós, um Filho nos foi dado. Tem o poder 2
sobre os ombros e será chamado conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz” (Is. 9,5). Este mesmo profeta, ao desafiar o Rei Acaz a conduzir os acontecimentos, baseado na esperança da acção de Deus em favor do seu Povo, exclama: “Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um Filho e pôr-lhe-á o nome de Emanuel” (Is. 7,14). Só a fé na Palavra de Deus fundamenta a esperança e esta é já a experiência presente do dom de Deus. A Palavra do Senhor realiza-se sempre no presente e anuncia a plenitude futura do dom de Deus. Acolher a Palavra faz-nos experimentar imediatamente o seu fruto.
2. Na esperança de Isaías, o primeiro fruto da Palavra, experimentado desde já, é a luz. Como profeta, ele dá actualidade a toda a Palavra de Deus desde o início, desde a criação: “Deus disse: faça-se a luz e a luz aconteceu” (Gen. 1,3). O profeta sente essa luz a iluminar as trevas do presente: “O Povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar” (Is. 9,2). Para Isaías, é claro que essa luz é aquele Menino que nasceu para nós. Ainda só prometido, mas que ilumina com a sua luz aqueles que acreditam na promessa.
Esta criação da luz, que no princípio venceu as trevas e definiu as criaturas, é a mesma luz que brilhará no rosto de Jesus Cristo, o Filho e Palavra eterna de Deus. No anúncio do Anjo aos pastores, a primeira linguagem desse anúncio é a luz: “A glória do Senhor cercou-os de uma grande luz” (Lc. 2,9).
Tanto na promessa do Antigo Testamento, como na realidade do Novo Testamento, Cristo, aquele Menino que nasceu para nós, é a luz de Deus, a mesma luz que no início, venceu as trevas. Cristo é a luz de Deus; mas Ele é a Palavra eterna. Isto indica-nos que a primeira maneira de escutar essa Palavra é deixarmo-nos inundar por essa luz. São João relaciona a luz com a vida, porque essa luz comunica-nos a vida. “N’Ele estava a vida e a vida era a luz dos homens; e a luz brilha nas trevas e as trevas não a receberam (…) Ele era a luz verdadeira que ilumina todo o homem que vem a este mundo” (Jo. 1,4-9). Mergulhar na luz de Cristo e receber a vida nova que essa luz comunica, é a novidade proclamada na Páscoa. 3
3. Oh! Se nos deixássemos inundar por essa luz. Tal como no princípio, ela transformaria a nossa vida, no realismo do nosso presente. É do que mais precisamos no nosso tempo: que essa luz faça renascer a esperança. É a mensagem do Apóstolo Paulo para nós, nesta noite, nesta celebração que aqui nos reúne: vivamos o tempo presente “aguardando a ditosa esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo” (Tito, 2,13).
Esta luz, que é vida, actua no presente das nossas vidas. Tal como a criação inicial, a vida santa dos cristãos é fruto da Palavra de Deus, luz que tudo ilumina e transforma. Isso significa que a luz de Cristo pode brilhar também na nossa vida, nas nossas obras, na maneira como vivemos. Os cristãos podem irradiar à sua volta a luz de Cristo que fundamenta a esperança.
Nesta Noite Santa abramos os nossos corações a esta luz. Só isso fará de nós mensageiros da esperança.
Sé Patriarcal, 24 de Dezembro de 2010
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca