A festa da cidade

Corpus Christi A celebração do Corpus Christi, marcada pela solene procissão pelas ruas das cidades e localidades, mantém hoje uma importância central para a afirmação da presença de Jesus Cristo junto dos homens e mulheres dos nossos dias. Ana Jorge, do Centro de Estudos de História Religiosa da UCP, explica à Agência ECCLESIA quais os aspectos principais que fazem desta festa um acontecimento sempre actual. Agência ECCLESIA – Que festa é esta que vamos celebrar? Ana Jorge – A festa que a Igreja celebra na Quinta-feira depois da oitava do Pentescostes, em honra do mistério da Eucaristia, é o Corpus Christi, em português conhecida como Corpo de Deus. Já tem uma longa história, dado que foi instituída na Diocese de Liége, Bélgica, pelo Bispo Roberto de Thorete, num sínodo em 1246. Neste acontecimento, que essa Igreja viveu com grande entusiasmo, toda a cidade se envolveu. Ali vemos uma religiosa agostinha, do mosteiro de Mont Cornillon, a colaborar com a Igreja local, tendo grande influência na sua celebração. AE – O Corpus Christi é o símbolo da festa cristã na cidade? AJ – A festa nasceu num contexto muito importante da Cristandade medieval, um contexto de renovação pastoral, em que o Cristianismo – que é aliás uma religião, que nasceu na cidade e a partir da cidade se foi desenvolvendo, descobrindo a partir da alta Idade Média o campo – vai equacionar os problemas que essa mesma cidade lhe traz, nomeadamente dos pobres e dos marginalizados. Já neste contexto da cidade medieval procura-se fazer a nova evangelização, isto é, reapresentar o Evangelho àqueles que, de nome, já eram cristãos, mas cujos sentimentos ainda estavam muito longe dos próprios sentimentos de Cristo. Logo desde as suas origens – não só em Liége, mas também em toda a Igreja, quando o Papa Urbano IV, em 1264, estende a festa à Igreja universal – após a Eucaristia solenemente celebrada, como vai acontecer no próximo dia 15 de Junho, a presença do Senhor era prolongada através da procissão, percorrendo as ruas da cidade. AE – Essa procissão era um marco para a afirmação da cidadania de cada pessoa? AJ – A Solenidade do Corpo de Deus é por excelência, na Idade Média e ao longo dos tempos, a festa da cidade, sendo a procissão do Corpo de Deus a mais importante da cidade. Para ela convergiam todas as suas forças vivas. Hoje podemos dizer que não é a procissão da cidade, é uma procissão litúrgica com toda a solenidade que tem e atesta a centralidade da Eucaristia, da presença do Senhor que quer fazer da cidade dos homens o seu templo privilegiado. AE – No actual contexto de laicismo e secularização, a procissão do Corpo de Deus ainda fala à nossas cidades como fazia nos seus inícios? AJ – A nova evangelização é sempre nova em cada época porque se trata de dar o nome de Jesus Cristo às novas realidades, trazendo-o de novo ao coração da cidade. Isso é fundamental, porque desafia cada crente a descobri-lo na sua vida pessoal. A procissão do Corpo de Deus, ontem como hoje, é um acontecimento notável, porque nos chama a atenção para a centralidade do mistério da Eucaristia na vida da Igreja e na vida de cada crente. Isto acontece desde o século XIII, em contexto de renovação, mas também em contexto de grandes desafios – na altura com questões sérias que se prendiam com a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia. Hoje transportamos connosco outras questões, a nossa cidade contemporânea terá outras perguntas e outras hesitações, perplexidades diferentes, mas é a mesma centralidade da Eucaristia que está em causa. Obviamente, não podemos dizer que a procissão tem nos nossos dias, em termos de cortejo, todas as forças vivas da cidade como nos séculos XIII, XIV, XV, mas não deixa de ser uma procissão representativa. AE – A festa, no nosso país, ganhou várias formas de celebração… AJ – A centralidade do Corpo do Senhor, que o Bispo segura nas suas mãos debaixo do pálio – que, aliás, era transportado pelas forças vivas da cidade –, dava início à procissão e todo o relevo era dado à Custódia. Sabemos que, desde os primeiros tempos, era costume levar no cortejo a imagem de São Jorge, por exemplo, estandartes e os santos de devoção local. Este era o cortejo mais simbólico e representativo das cidades, pelo que as irmandades, as confrarias, os mesteres e as associações incorporavam a procissão.

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Agência ECCLESIA

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