«A Eucaristia fonte da caridade»

Homilia do Cardeal-Patriarca na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo 1. A Igreja de Lisboa, respondendo à interpelação feita por Sua Santidade o Papa Bento XVI na Encíclica “Deus é amor”, deseja que toda a sua acção pastoral seja expressão da caridade. Este propósito supõe que mergulhará cada vez mais no mistério da Eucaristia, verdadeira fonte do amor-caridade. Sempre que a celebramos, rezamos na Oração Eucarística: “Lembrai-vos, Senhor, da Vossa Igreja, dispersa por toda a terra e tornai-a perfeita na caridade” (Oração Euc. II). A fidelidade da Igreja consiste nisso, ser perfeita na caridade. Só então ela será verdadeiramente a Igreja que Deus quer e que Jesus ama como uma esposa. A Igreja só atingirá essa perfeição se toda a sua acção for expressão da caridade. Mas o que é este amor-caridade? Que tem a ver com o amor humano que nós sentimos e conhecemos? É, na sua essência primeira, o amor que Deus ama, o amor que Deus é. Em Deus o amor não é, apenas, uma das muitas expressões da Sua liberdade, identifica-se com o próprio Ser divino, porque Deus não se limita a amar, Ele é amor. Em Deus o amor é a única expressão possível da Sua vitalidade divina. Ama quando cria, quando Se revela, quando Se compadece e perdoa, quando chama e atrai, quando convida para a intimidade da Sua casa. Mas, na nossa realidade humana, tocámos a manifestação mais sublime do amor que Deus é, no amor de Deus Pai pelo Seu Filho Jesus Cristo. “Este é o Meu Filho muito amado”. E Jesus respondeu plenamente, o primeiro da raça humana, a esse amor com que era amado: “Pai, faça-se a Tua vontade e não a Minha”; “Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito”. Neste amor entre Deus Pai e o Seu Filho Jesus Cristo, nós tocamos a beleza sublime do amor-caridade: é entrega total e confiante da própria vida nas mãos do outro; é fidelidade à relação que os une; é fecundidade criadora, porque esse amor é fonte de Vida; é êxtase de alegria e de glória, pois é abandonando-se ao amor que Deus é absolutamente feliz. Mergulhados na comunhão trinitária, porque fazendo um só com Cristo, os cristãos podem amar como Deus ama, porque essa plenitude de amor exprimiu-se, na nossa história, no amor entre Deus e o homem, entre Deus e Jesus Cristo. Quando o amor dos cristãos toca essa plenitude do amor-caridade, eles identificam-se com Deus no amor e encontram Deus nesse amor. Quando o cristão ama é Deus que ama, porque ao receber o Espírito Santo, ele torna-se sacramento do amor de Deus para o mundo. Esta plenitude do amor não é a negação do amor humano e das capacidades humanas de amar; é a sua valorização total, porque a fecundidade do amor divino exprime-se tanto na criação como na redenção. O amor-caridade não é outra forma de amor a acrescentar àquelas que reconhecemos na nossa natureza; é, antes, o crescimento na arte de amar. Na vida do cristão o amor-caridade leva à perfeição todas as expressões humanas do amor. 2. Esta perfeição do amor-caridade só a atingiremos no Reino dos Céus, na Casa do Pai, quando O virmos face a face, O reconhecermos e nos reconhecermos n’Ele. Até lá é a longa peregrinação da nossa fé e da nossa fidelidade, da nossa descoberta da vida. E isso só é possível, mergulhando na fonte da Vida, que é a Páscoa de Jesus. A Eucaristia, enquanto sacramento da Páscoa, é para o Povo peregrino a fonte da vida e do amor-caridade. A Eucaristia é a primeira expressão total do amor-caridade, enquanto gesto de Jesus Cristo, de fidelidade obediente ao desígnio de Deus Pai, de entrega generosa da Sua vida por amor dos homens seus irmãos. Ele cumpriu a Sua própria Palavra: não há maior prova de amor do que dar a vida por aqueles que se amam. Mas em cada Eucaristia a Igreja que celebra participa desse amor total de Jesus Cristo. Apesar das suas imperfeições e incapacidades, na Eucaristia a Igreja ama como Jesus ama. É o mistério da misericórdia e da piedade. Por isso o sacerdote dá voz a toda a comunidade, balbuciando: “nós Vos damos graças porque nos admitistes à Vossa presença para Vos servir nestes santos mistérios” (Oração Euc. II). Elevada, na Eucaristia, à qualidade divina do amor-caridade, a Igreja abandona-se ao amor de Jesus Cristo, mergulhando, assim, na densidade da comunhão trinitária. É por isso que a celebração se prolonga em adoração. A intensidade de amor a Jesus Cristo que a Eucaristia gera não se pode esgotar num momento, tende a envolver toda a vida. Nesse amor fazemos nossa a sua missão: arderemos de amor anunciando-O, amando os irmãos como Ele os ama, percebendo a vida e o sentido de toda a realidade humana a partir desse amor. 3. Este é o segredo da fidelidade da Igreja: beber na Eucaristia o amor com que há-de fazer todas as coisas em que concretiza a missão e a resposta à própria vocação e ao chamamento de Deus. É a partir da Eucaristia que Deus chama e envia: o anúncio da Palavra torna-se expressão de amor, sentiremos então, que amamos a Deus amando os irmãos, a nossa oração tende a ser êxtase de amor. Descobriremos que as forças da nossa natureza são chamamento à plenitude da graça e que os ideais que prosseguimos só se realizarão plenamente no amor-caridade. A partir da Eucaristia tudo se torna possível, nada nos assusta. Renunciar por amor torna-se um grito de liberdade, sacrificarmo-nos por amor identifica-nos com o próprio Cristo. E com que alegria agradecida damos graças pelo amor amado e pela vida vivida, na próxima Eucaristia que celebramos. A acção da Igreja perde qualidade e sentido se não brota e se exprime na Eucaristia: a evangelização é mera proclamação de uma doutrina, o amor fraterno é mera solidariedade, a oração limita-se à prece, a acção apostólica cheira a proselitismo. Só a Eucaristia reconduz, de cada vez, a acção da Igreja à sua verdade fundamental. 4. Este momento de celebração, que vai prolongar-se em adoração silenciosa nas ruas da nossa Cidade, pode ser decisivo na realização da fidelidade da Igreja de Lisboa à sua missão. A partir da Eucaristia a Igreja abraçará continuamente a Cidade, com a intensidade e radicalidade do amor de Deus. A qualidade do nosso amor determinará se somos ou não presenças vivas do amor de Deus na Cidade. Praça do Município, 15 de Junho de 2006 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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