Carlos Liz, consultor em estudos de opinião e de mercado.
A plena valorização da Mulher – corrigindo tempos anteriores e anunciando tempos futuros – atravessa toda a obra de Luiza Andaluz. Na base deste processo transformador está a Fé num Deus de grandes coisas, de vistas largas, a par de uma integração inteligente na Igreja, que constantemente terá de se recriar se quer estar à altura da sua razão de ser. O tema Mulher, pelo simples facto de ser explicitado, tem um profundo significado seja no plano religioso, seja no plano social.
Não será por acaso, aliás, que Luiza identifica como modelo de vida Teresa de Jesus, a quem muito sugestivamente chama de “mulher desembaraçada”. Tal como Teresa, umas das duas primeiras Doutoras da Igreja, Luiza não se poupou em infinitas iniciativas, que mexeram na ordem instalada dos seus respetivos tempos, compaginando profundidade espiritual e eficácia material. E sempre com o referente – pouco óbvio nessas alturas – de que a mulher era sujeito, por mérito próprio, da História de Deus e da Humanidade, lado a lado com os seus colegas (e amigos) homens.
No momento próprio, Luiza faz questão de dar o nome de Servas à congregação que fundou – uns séculos antes, Teresa, acabada de ser eleita prioresa, põe as chaves do convento nas mãos da imagem de Nossa Senhora do Carmo, dá-lhe a cadeira de líder e fica, simplesmente aos seus pés. Esta superior intuição de distribuição de poderes é constitutiva da espiritualidade de Luiza: ser Serva é uma construção exigente e não uma aceitação posicional nivelada por baixo, por tradição, por imposição de sociedades ultrapassadas e injustas.
A Luiza da alta sociedade de passagem do século XIX para o XX, mais dada à conversa privada do que à dança de salão, mas capaz de vencer provas de remo, cedo terá tomado consciência da importância de não deixar tudo nas mãos dos homens, assumindo um papel sempre ativo, opinativo e bem fundamentado acerca daquilo que sentia como sendo essencial fazer. Em 1922 encontramo-la nas reuniões de direção do Asilo do Lumiar, onde só estavam homens que compreenderam que era boa ideia que Luiza e outra companheira estivessem presentes – com tudo devidamente exarado em ata… E tudo num ambiente assumidamente não confessional, afirmando Luiza que se tratava de encontrar o Bem, de forma alargada a outros membros da sociedade.
A auto consideração do valor do feminino atravessa ainda a retórica da Madre, como neste discurso às Alunas do Colégio e da Creche: “tereis de fazer a vossa vigília de armas tereis que praticar feitos heroicos e depois, de lança em riste como os antigos cavaleiros, vós espalhareis à roda de vós não a morte ou a tristeza mas sim a vida e a alegria”. De forma menos “bélica” mas igualmente expressiva e fora do ambiente doméstico, podemos surpreender a adolescente Luiza a criar um catálogo de produtos artesanais e proceder à sua venda de porta em porta e junto de locais onde os públicos-alvo poderiam estar e comprar… e muito dinheiro foi assim arranjado para os pobres.
Luiza ficará conhecida como uma enérgica e inspirada empreendedora social – a forma mais visível de expressão da sua profunda Fé, o modo de tangibilizar a missão para a qual se sentia chamada por Deus. Mas, o mais importante é que se trata de um empreendedorismo baseado no imperativo estratégico da Educação para as raparigas e para as mais pobres. Luiza critica duramente a sociedade que não compreendia o papel decisivo das mulheres e que lhes negava o acesso à formação e conhecimento e junta à crítica a ação criadora de escolas e ao renovar das suas práticas pedagógicas. Só a sustentabilidade intelectual e emocional trazida pela educação permitiria cumprir o voto expresso numa das muitas alocuções dirigidas às suas alunas: “sede sim raparigas do vosso tempo, alegres, desembaraçadas, ativas, empreendedoras, mais independentes”. Luiza, como boa educadora, deu o exemplo da sua própria vida como forma de efetiva persuasão pedagógica.