A digna celebração da Eucaristia

Homilia de D. Albino Cleto, aos sacerdotes, em Quinta-feira Santa na Sé Nova Concede-nos Deus uma vez mais a graça e a alegria de celebrarmos o mistério da Eucaristia no conforto do Presbitério que somos. É este mistério que, acima de tudo, nos define como sacerdotes. Assim o repete a última Exortação do Santo Padre Bento XVI, “Sacramentum Caritatis”, guia precioso para a digna celebração da Eucaristia que tomo como fonte de algumas considerações sobre a celebração deste “mistério de amor” que torna presente a Ceia de Jesus, memorial da sua Paixão, Morte e Ressurreição. Alguns órgãos da nossa comunicação social não entenderam o documento, rebuscando nele apenas sinais de alteração na vida da Igreja, alteração que venha ao encontro de gostos superficiais e facilidades da sensibilidade actual. Que nenhum de nós, padres, se dispense de o ler, de modo a reavivar na sua vida espiritual e no seu labor apostólico aquela verdade que tantas vezes enunciamos: A Eucaristia é o coração da Igreja. Sim, é para a Igreja que ela existe, tal como o coração é para a vida de todo o corpo. E, no entanto, a comunidade cristã sem o sacerdote não a pode ter. Ao longo de vinte séculos, sempre o entendeu assim a fé católica: Só pelo poder sacerdotal que, pela imposição das mãos de um Bispo, se recebe em cadeia de sucessão que tem a sua origem nos Apóstolos, só pelo nosso poder sacerdotal se realiza o que o Senhor Jesus ordenou aos mesmos Apóstolos: “Fazei isto em memória de Mim” Que grandeza e que responsabilidade a nossa, queridos padres! Que grandeza! Está em nossas mãos a fonte maior em que os crentes bebem a água da vida que corre do Coração de Cristo! Que responsabilidade! Cumpre-nos, como primeira obrigação da nossa missão de padres, zelar para que esta fonte não deixe de correr com a frequência e a abundância necessárias para a vida da comunidade, com a frescura atraente de uma celebração digna, festiva e educadora da fé. É verdade que, por nossa fraqueza, nem sempre assim acontece. O zelo, sentido por nós como obrigação, de assegurar às povoações a Missa dominical ou a vontade de a garantir em funerais ou outras situações particulares exigem-nos a repetição de celebrações, que se tornam tantas vezes rotineiras, apressadas, distraídas… Deus, que bem conhece a nossa fraqueza mas também a nossa generosidade, nos perdoará este pecado. Que, pelo seu Espírito, nos ajude a preparar a Missa de cada dia, alimento maior da nossa vida espiritual, bem como daqueles que nela participam. Como recorda a Exortação, “a espiritualidade sacerdotal é intrinsecamente eucarística; a semente desta espiritualidade encontra-se já nas palavras que o Bispo pronuncia na liturgia da ordenação: Recebe a oferenda do povo santo para a apresentares a Deus. Toma consciência do que virás a fazer; imita o que virás a realizar”(n.80). Isto, no tocante ao nosso caminho pessoal de espiritualidade. E que dizer sobre a atitude pastoral de quem, na celebração das Eucaristia, preside à mesa como pai de família? O amor e o zelo por aquele que é o mais sagrado dos sacramentos, levar-nos-á a dedicar-lhe uma permanente atenção, e consequente empenho, ao modo como ele se vive nas comunidades a que presidimos. Permiti que vos alerte uma vez mais para alguns riscos que corremos actualmente neste campo e para os quais nos alerta a Exortação Apostólica. A falta de sacerdotes e o desejo de manter os cristãos fiéis à reunião dominical tem aumentado entre nós o número de celebrações presididas por leigos devidamente mandatados. Esta é uma riqueza que se verifica na Diocese que somos, mas que nos pede, antes de mais, uma catequese cuidada sobre a diferença entre Eucaristia, Ceia do Senhor, e a simples, ainda que louvável, assembleia dominical de oração na ausência de um presbítero; afinal é a diferença entre a fonte e um pouco de água que nela se bebe. Catequese difícil de fazer, na medida em que as pessoas aprendem mais pelo que vêem do que pelo que ouvem. Ora acontece que os modelos daquelas celebrações seguem tão de perto o da Missa que bastantes fiéis tendem a aproximar na importância os dois actos sagrados. Por isso afirmei que esta é uma catequese difícil, a exigir boa preparação. Em determinadas situações, entre elas as vossas merecidas férias, surge a solução de substituir a Missa dominical por uma celebração presidida pelo ministro extraordinário. Quando assim tiver forçosamente de acontecer, procurai fazê-lo e justificá-lo de tal modo que não permaneça no espírito dos crentes a impressão de que os actos se equivalem. Praza a Deus que os próprios leigos que presidem à celebração sejam os primeiros a sensibilizar os participantes para a falta do memorial da Ceia do Senhor, a falta da Missa. E como não consciencializar os mesmos participantes para a causa primeira desta falta, que é a diminuição do número de padres, experimentada dolorosamente por nós, ainda há poucos dias, com a morte inesperada de dois membros do Presbitério?… Diz o texto pontifício: Essas assembleias devem “tornar-se ocasião privilegiada de oração a Deus para que mande sacerdotes santos segundo o seu coração” (n.75). O mesmo pedido de implorardes insistentemente a bênção de mais padres vos lanço a todos vós, queridos consagrados e demais leigos que viestes hoje aqui e vos alegrais com esta coroa dos nossos padres que comigo rodeiam a mesa do altar. Esta é a mesa de todos. É a mesa onde Deus quer sentar o servo fiel e prudente e também o filho pródigo. Mesa em que o Senhor Jesus, pelos seus sacerdotes, serve o Pão da Vida, que é Ele mesmo entregue pela salvação do mundo. Na sociedade em que vivemos, sociedade “em acentuada mudança cultural”, muitos não entendem já esta linguagem porque se apagou neles a luz da fé. Por isso, prendem-se apenas aos enfeites da mesa, ao atractivo da festa, que é como quem diz, aos cânticos, aos gestos, à indumentária, enfim, àquilo que é o rito. A quem se interroga sobre a permanência do gregoriano ou do latim, teremos de responder que esses são apenas pormenores, justificáveis pela dignidade da festa ou pela diversidade dos participantes. No entanto, sejamos sensíveis, e esta é obrigação de todos, padres, acólitos, leitores, cantores e outros, também aos pormenores da festa, ao rito litúrgico, isto é, ao modo como cuidamos de celebrar a Ceia do Senhor. A Eucaristia é o Coração da Igreja e a sua celebração dominical é a melhor catequese, também numa sociedade em mudança. Nesta sociedade, marcada pelo individualismo e exagerado valor da opinião pessoal, a obrigação grave de “ouvir Missa inteira nos domingos e festas de guarda” perde cada vez mais, até nas crianças, o seu peso, o seu valor de ajuda à consciência. Pois que seja a própria beleza da celebração e o convite dos que a preparam, a realizam e dos que a ela são fiéis a atrair muitos que agora deixam vazio o seu lugar. Evitemos, porém, o erro que seria o de apelarmos somente para o dever de participar na reunião do grupo a que pertencemos, como se de um clube se tratasse. Invoquemos as razões maiores e que todos as reconheçam em nós, padres, em nós que amamos este sinal humilde e prodigioso do amor de Deus, este “sacramento da caridade” divina. As razões maiores estão nas palavras do nosso Mestre e Senhor: “Fazei isto em memória de Mim”, porque “o Pão que Eu hei-de dar é a minha carne pela vida do mundo”. + D. Albino Cleto

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Agência ECCLESIA

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