A diferença da igualdade

Durante muito tempo foi esquecido, em proveito de alguns e detrimento de muitos, o direito à igualdade do ser humano. Não precisamos recuar muito para notarmos que nem escritos e ainda menos cumpridos estavam os direitos do homem. E que ninguém se atrevesse a defender a igualdade do escravo e do homem livre, da mulher e do homem, do negro e do branco, do rico e do pobre. A tese substancial era a da paciência a quem tinha nascido para moer na mó de baixo. Nada havia a fazer ao destino traçado e, sabe-se lá, ao desígnio de Deus, como abundantemente se proclamou durante tanto tempo. Uma espécie de fatalismo acompanhava os mais fracos, muito bem alimentados pelos aquietados do bem, dos bens e das grandes farturas da vida. O mundo não pára nem a eternidade cabe no tempo. Por isso o sopro libertador de Deus, vindo de diversos quadrantes, sempre fez estremecer afirmações de teor dogmático amassadas pelos interesses de minorias detentoras da maioria dos privilégios. Assim, com o acordar da consciência, se foi construindo o desconfortável detonador de tantas explosões sociais, políticas e religiosas. Até que foi escrito, com letra de se ver, o que já vinha dito no Génesis, sobre a igualdade fundamental do ser humano. Assim sendo, estremeceram de pavor muitas pirâmides sociais, culturais e económicas que se haviam erguido sobre a argamassa da injustiça, da discriminação, dos interesses camuflados em esmola e benemerência, sempre vazados de cima para baixo como quem atira o rebuçado aos pedintes da rua. O mundo não tem este problema resolvido, mas cresce cada vez mais – e já não por pressões de “ideologias perversas” – a consciência de que todo o ser humano, seja qual for a sua raça, condição ou religião, é um sujeito e agente de direitos e deveres inalienáveis. O que hoje se acrescenta a este princípio laico e sacral é que o direito à diferença é tão fundamental como o direito à igualdade. A terra, a história, a cultura, a língua, a religião, não são um pastel sintético que cada qual requisita ao banco cinzento da globalização. Ao mesmo tempo que se afirma a igualdade de todos, importa defender a diferença de expressões, culturas e histórias que estão ligadas a pequenos grupos, minoritários e aparentemente insignificantes. As decisões da maioria nunca podem estrangular os direitos dos mais pequenos. A riqueza do que é humano, não se mede por números, mas pela densidade básica de cada ser que transporta a vida com a dignidade incomensurável do divino que se esparge por cada ser humano.

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