Há um ano, o Padre Simeón foi assassinado em plena Igreja no Burkina Faso
Mártir por amor
Passaram doze meses, mas o ataque à Igreja de Dabló, na Diocese de Kaya, ainda consegue surpreender. Conhece-se toda a história, o que aconteceu naquele domingo, dia 12 de Maio, mas, mesmo assim, parece ainda difícil de compreender a razão de tanta violência, de tanto ódio. O padre Simeón foi assassinado a tiro. Agora, na Quaresma deste ano, a Fundação AIS recordou-o como mártir e herói por amor…
Como quase sempre acontecia aos domingos, a capela estava cheia de fiéis. Quase já no fim da Missa, escutaram-se gritos. Foi quando homens armados irromperam pelo templo aos tiros, causando enorme confusão e terror. Seriam mais de vinte, talvez trinta. Nunca se soube o número exato. Eram muitos. Junto ao padre, no altar, estavam alguns jovens acólitos. Num ímpeto, o padre Simeón arrastou-os para a sala ao lado, a sacristia, procurando protegê-los. E conseguiu. Os jovens foram poupados mas o padre não. Foi executado a tiro logo ali. Com ele mais cinco cristãos perderam a vida. Antes de abandonaram a igreja, os terroristas obrigaram ainda os fiéis a retirar os crucifixos e outros objetos religiosos que traziam consigo depositando-os no altar. E deixaram uma ameaça: as mulheres teriam de passar a vestir-se tal como as muçulmanas, cobrindo-se com um véu. Caso contrário, seriam também assassinadas quando eles regressassem à aldeia. Como se não bastasse o rasto de sangue e morte, os terroristas ainda queimaram o altar, as imagens, grande parte do edifício e saquearam e destruíram várias lojas existentes no bairro e o centro de saúde.
Dedo no gatilho
O padre Simeón Yampa era muito querido da comunidade. Todas as fotografias mostram-no a sorrir, com um rosto jovial. Tinha apenas 34 anos mas o bispo local dera-lhe uma tarefa importante. Além da paróquia de Dabló tinha ainda a responsabilidade pelo diálogo inter-religioso na diocese. Nos últimos tempos a região vivia já amedrontada por relatos de outros ataques, pelas histórias contadas por sobreviventes à barbárie dos homens de negro. O diálogo entre religiões era, também por isso, muito importante. Ali, na diocese, muçulmanos e cristãos sempre se deram bem. Mas esse convívio parecia agora ameaçado com as incursões dos terroristas que vinham proclamando com o dedo no gatilho a urgência de um Islão mais radical. Desde há algum tempo a Igreja Católica passara a ser um dos alvos dos terroristas. Era mais do que uma ameaça, era mesmo um alvo concreto. Aos poucos, os cristãos começaram a abandonar a região. As Nações Unidas calculam que cerca de 800 mil pessoas abandonaram já as suas aldeias, as suas terras, tudo o que possuíam por causa dos ataques terroristas.
Cenário preocupante
Uma equipa da Fundação AIS visitou no início do ano alguns dos locais para onde fugiram estas populações e o cenário é realmente muito preocupante. Na província de Dori, mais de uma centena de aldeias foram já abandonadas. A ameaça dos jihadistas está presente em todo o lado. E é visível até nos lugares abandonados. As populações estão em fuga. Cristãos e muçulmanos moderados não têm lugar neste novo ‘califado’ que está a ser construído nesta região de África. Ninguém sabe exatamente como os terroristas são financiados. Ninguém sabe como compram as armas mas também ninguém duvida que são cada vez mais fortes, mais numerosos. Não é incomum haver relatos de que as forças de segurança se têm mostrado incapazes de enfrentar os terroristas por terem pior armamento do que eles. E o medo vai fazendo o seu caminho… As aldeias esvaziam-se, as escolas ficam de portas fechadas. O deserto instala-se na região. As autoridades parecem incapazes de lidar com esta realidade.
Grupos criminosos
Os países estão fechados nos seus próprios problemas, nas suas necessidades, mas estes grupos armados não olham a fronteiras. Chegam do Mali, do Níger, do Burkina Faso, da grande região do Sahel e erguem à sua passagem as ameaçadoras bandeiras negras do Estado Islâmico. São grupos fundamentalistas que se financiam com o tráfico de armas, de droga, de pessoas. São criminosos e não olham a meios para atingirem os seus fins. Têm sido inúmeros os incidentes contra os cristãos no Burkina Faso. Alguns são demasiado reveladores. Por exemplo, no dia 27 de junho do ano passado, na aldeia de Bani, homens armados fizeram buscas casa a casa à procura de cristãos. Foram identificados apenas quatro, dois deles irmãos. Todos usavam crucifixo ao pescoço. Foram assassinados. Antes, a 15 de fevereiro, o padre salesiano espanhol César Fernández foi morto a tiro na fronteira com o Togo. Um mês depois, foi raptado outro sacerdote junto à fronteira com o Mali. Desde então, desconhece-se o que aconteceu ao Padre Joel Yougbare.
Testemunhos da barbárie
Joel Yougbare era muito amigo do padre Roger Kogolo. O padre Roger pertence à diocese de Dori, situada no norte do país. É uma das regiões mais atingidas pela violência das milícias jihadistas. No início do ano, em Itália, num encontro promovido pela Fundação AIS, testemunhou o drama que se vive no seu país. “Desde o início do ano, dezenas de cristãos foram mortos por causa da sua fé. Muitos abandonaram as suas cidades e comunidades. Hoje em dia, há muitas pessoas deslocadas no interior do país.” Perante a crescente ameaça e o sinal cada vez mais claro de que os cristãos são um dos principais alvos dos jihadistas, os sacerdotes viram-se forçados a tomar medidas de proteção. O padre Roger Kogolo fala mesmo em rigorosas medidas de segurança. “Nós, padres, não temos liberdade de movimento. Não podemos deixar a paróquia, não podemos viajar para determinadas regiões e temos que seguir rigorosas medidas de segurança para proteger as nossas vidas.” O Burkina Faso está em convulsão. Ninguém sabe como esta história vai acabar, mas sabe-se que os cristãos estão na mira das armas dos terroristas. Há um ano, o padre Simeón foi executado a tiro na sua Igreja no Burkina Faso. Foi morto sem piedade. Este ano, na Quaresma, foi escolhido como um dos heróis e mártires por amor da campanha da Fundação AIS.
Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt