Na aldeia de Poul, na Etiópia, ninguém vai esquecer D. Angelo Moreschi
O bispo das bolachas
Era um alvoroço sempre que ele chegava à aldeia. Havia festa, música e danças. D. Angelo Moreschi era querido de todos. Os mais velhos recebiam-no como a um chefe tribal e as crianças adoravam-no por causa das bolachas que fazia questão de oferecer. Agora, isso acabou. O Bispo salesiano faleceu a 25 de Março vítima do coronavírus.
Quando a poeira da estrada anunciava a chegada do jipe branco, era um desassossego. O velho jipe trazia o Bispo e isso significava que as crianças iriam receber biscoitos ou bolachas. A poeira da estrada crescia na medida da própria impaciência dos mais novos. Era uma festa. D. Angelo sabia isso e saboreava esses momentos que se repetiam todas as vezes que ia a Poul ou a todas as outras aldeias ou lugares na Etiópia. Era um bispo desejado. As populações estimavam-no pois sabiam que ele era incansável na busca de melhores condições de vida. D. Angelo era o Vigário Apostólico de Gambella, uma área pobre e muito subdesenvolvida situada na região ocidental da Etiópia, na fronteira com o Sudão do Sul. A pobreza, a falta de infraestruturas e os conflitos étnicos caracterizam a região.
Enorme respeito
D. Angelo era querido de todos. Quando chegava a uma aldeia, a qualquer aldeia, era o “Abba Angelo”, o pai, o amigo, o mais velho. Todos olhavam para ele com respeito. Mesmo os não-cristãos. Todos olhavam para ele também com esperança. Chamavam-no de pai e ele tratava todos como filhos de verdade. O sofrimento das populações era o seu sofrimento e procurava por todos os meios resolver problemas, dar esperança e alegria. Nem que fosse apenas levando biscoitos que adoçavam a boca às crianças. A vida dura, às vezes mesmo inclemente daquelas paragens, fê-lo olhar para todas aquelas pessoas com enorme respeito. Há alguns anos, na visita de uma equipa da Fundação AIS à Etiópia, D. Angelo disse, como se de uma confissão se tratasse, que foi ali, naquela imensidão de África, que compreendeu “de verdade o Evangelho”.
Arregaçar as mangas
A pobreza extrema desnuda a vida das pessoas. Não permite fingimentos. Talvez por isso, o bispo Angelo tenha pedido ajuda à Fundação AIS. Era preciso arregaçar as mangas para apoiar aquelas famílias famintas. Era preciso dar-lhes dignidade. E a ajuda da Fundação AIS materializou-se, ao longo dos anos, na construção de capelas, igrejas, centros paroquiais, poços de água, meios de locomoção para os sacerdotes, livros para a catequese das crianças… “Aqui, a Igreja Católica é bem-vinda”, disse o bispo à equipa da AIS nessa visita à Etiópia em 2012. D. Angelo Moreshi faleceu em Itália no final de Março. Estava doente. Os problemas de saúde já o tinham levado a resignar. Morreu sonhando com o dia em que iria regressar à terra que tinha adoptado como sua. Morreu vítima do coronavírus. Foi o primeiro bispo a falecer desta pandemia em todo o mundo A Fundação AIS perdeu um amigo. As crianças de Poul perderam o bispo das bolachas. Nessa pequena aldeia perto da fronteira com o Sudão do Sul, ninguém vai esquecer D. Angelo Moreschi.
Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt