A cruz escondida

Apoio aos seminaristas da Ucrânia é vital para o futuro da Igreja

Semente de fé

Ainda hoje é quase impossível esquecer os tempos duros de perseguição aos cristãos na era soviética. Na Ucrânia, persistem ainda memórias dos longos dias em que a fé era vivida em segredo. Apesar dos riscos e das ameaças, nunca nesses anos negros a Igreja deixou de formar seminaristas.

Ucrânia. Ainda hoje há quem se comova ao recordar os seminários clandestinos, as missas ditas em surdina, os anos de fome decretados por Moscovo como se fosse um castigo… D. Svyastoslav Shevchuk era ainda muito jovem quando decidiu que queria seguir a vida religiosa, queria ser sacerdote. Eram tempos duros os que se viviam então na Ucrânia, um dos países da União Soviética. A perseguição implacável do regime comunista não poupou ninguém. Muito menos a Igreja. Por isso, na memória do Arcebispo-Maior da Igreja Greco-Católica da Ucrânia, está presente com enorme nitidez o dia em que um padre foi a casa dos seus pais para celebrar a Missa. Ainda hoje, quando recorda esse padre, Shevchuk fala em “exemplo notável da vida sacerdotal na Igreja perseguida”. Era proibido mas o padre não teve medo e foi. Arriscou tudo. Até a prisão, a tortura, ser enviado para os tenebrosos ‘gulags’, os campos de concentração. Mas foi. E Shevchuk tomou por causa desse exemplo de coragem a decisão que iria mudar a sua vida para sempre. “Decidi ser como ele. Foi a primeira vez que pensei em me tornar padre.” Foi uma decisão arriscada. A Ucrânia vivia tempos muito duros. Os fiéis eram forçados a viver a sua fé em segredo. As Igrejas foram perseguidas, muitos templos passaram para as mãos do Estado, não havendo lugar que escapasse ao punho de ferro imposto por Moscovo. O sofrimento dos ucranianos foi brutal. Até fome chegaram a passar. Em novembro do ano passado, o Papa Francisco lembrou uma das campanhas impostas por Estaline e que dizimou milhões de pessoas na Ucrânia. Foi o Holodomor. O extermínio pela fome. O Papa recordou esses tempos como uma “imagem dolorosa”, pedindo que “tais tragédias não se repitam”. Foi principalmente entre os anos de 1932 e 1933. A Ucrânia funcionava como uma espécie de celeiro e Estaline decidiu desviar praticamente toda a produção para alimentar a União Soviética. Calcula-se que terão morrido de fome cerca de 5 milhões de pessoas.

 

Esconder a fé

Foi neste ambiente de perseguição impiedosa que Shevchuk decidiu que queria ser sacerdote para o resto da sua vida. “Pertenci à comunidade do seminário clandestino durante a era comunista”, recorda. “Foi um tempo de perseguição e nós tivemos de esconder a nossa fé.” Foi também um tempo de crescimento. O ambiente de perseguição trouxe uma consciência de pertença mais robusta. Alimentou a própria comunidade. D. Svyastoslav Shevchuk estudou graças também à Fundação AIS. Foi um dos inúmeros seminaristas apoiados directamente graças à generosidade dos benfeitores da Ajuda à Igreja que Sofre. Hoje, D. Svyastoslav,  líder da Igreja Greco Católica da Ucrânia, representa cerca de cinco milhões de fiéis em todo o mundo. São católicos de rito bizantino e estão em comunhão com o Papa. D. Svyastoslav é também o responsável principal pela formação de todos os seminaristas da Ucrânia. É uma tarefa essencial para preservar a própria existência da comunidade. “Hoje, estamos muito necessitados de verdadeiros pastores que realmente façam parte da vida das pessoas e as acompanhem”, diz-nos o Arcebispo, acrescentando: “Depois de todos aqueles anos, olhando para os nossos seminaristas, fico feliz por vê-los viverem as suas vocações sem qualquer medo”. A ligação da Fundação AIS à Igreja ucraniana continua mesmo depois do colapso da União Soviética. Os tempos são diferentes mas persistem as dificuldades. Durante a ditadura soviética a Igreja foi espoliada dos seus bens e hoje necessita de apoio para continuar a realizar a sua missão. A ajuda que continua a ser dada aos seminaristas ucranianos pela Fundação AIS é uma semente de fé que vai alimentar seguramente a Igreja no futuro.

Paulo Aido | fundacao-ais.pt

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