A cruz escondida

A missão da irmã Treacy e do padre Boniface em Rumbek, no Sudão do Sul

Arriscar tudo, todos os dias

Que têm em comum uma irmã irlandesa e um padre espiritano oriundo da Etiópia na Diocese de Rumbek, no Sudão do Sul? O país, na sua curta história, tem estado quase sempre em guerra e contabiliza já milhares de mortos e milhões de deslocados e refugiados. Mas há quem procure contrariar esta história de violência e pobreza. A Irmã Treacy e o Padre Boniface partilham esse desafio.

A história do Sudão do Sul é muito recente, tem menos de dez anos. Mas já contabiliza milhares de mortos e milhões de deslocados e refugiados. É o mais jovem país do mundo, mas é, também, um dos mais pobres. Praticamente em guerra desde a independência, em 2011, tudo parece estar a falhar neste pedaço de África. No Sudão do Sul há mais lágrimas do que sorrisos, mais fome do que comida, mais medo do que esperança. Há mais morte do que vida. Neste país, as mulheres pertencem ao grupo mais vulnerável. Casamentos forçados, violência, escravidão sexual, falta de cuidados básicos de saúde… Na Diocese de Rumbek, no centro do país, há uma casa gerida pelas irmãs do Loreto onde se procura contrariar esta quase fatalidade. É aí que vamos encontrar a Irmã Orla Treacy, uma religiosa católica irlandesa de 46 anos de idade que ganhou este ano o prémio internacional “Mulheres de Coragem”, do Departamento de Estado dos EUA, em que se reconhece o trabalho na defesa da paz, justiça, direitos humanos, igualdade de género e promoção das mulheres em todo o mundo. A primeira escola para meninas em Rumbek nasceu em 2006. O cenário era já então semelhante ao que se vive hoje na região. Foi assim que nasceu o primeiro internato. Hoje, graças às irmãs do Loreto, várias centenas de raparigas aprenderam já a ler e a escrever, aprenderam ofícios e, acima de tudo, descobriram a sua própria dignidade. Não tem sido fácil este trabalho. A Irmã Treacy lembra os ataques à própria Igreja. “Os efeitos da guerra sentem-se em todo o país. Como religiosas, também não fomos poupadas. Duas missionárias foram assassinadas e muitas das nossas comunidades foram atacadas. Numa população de 11 milhões de habitantes, 4 milhões de pessoas estão deslocadas e 7 milhões passam fome…”

 

“Obrigado, AIS”

O Padre Boniface Isenge, espiritano, concorda com a Irmã Treacy. Os efeitos da guerra fazem-se sentir em todo o lado. Também ele está na Diocese de Rumbek. Oriundo da Etiópia, chegou ao Sudão do Sul logo após a independência, em 2013. “Queria fazer algo de diferente e estava pronto para esta nova missão.” Agora, também ele está envolvido no trabalho quase silencioso da promoção das pessoas através da educação. As poucas escolas existentes estão sobrelotadas, mas isso não importa. Estima-se que três quartos de todos os habitantes do Sudão do Sul com mais de 56 anos de idade são analfabetos. A ignorância sempre alimentou o ódio que gera a violência que está na base da guerra. “A educação é a chave para se eliminar os factos de tensão. A educação é a chave para a paz”, explica o Padre Boniface. Numa visita recente à sede da Fundação AIS, na Alemanha, o Padre Boniface Isenge fez questão de agradecer o apoio que tem recebido e que lhe permite ajudar tantas pessoas na sua diocese. “Muito obrigado a todos que nos apoiam e estão próximos de nós também em oração… ” Tanto ele como a Irmã Treacy são exemplo da missão na Igreja num dos países mais perigosos do mundo. Todos os dias arriscam tudo, até a própria vida, para que o Sudão do Sul deixe de ser também um dos países mais pobres e seguramente um dos mais infelizes com milhares de mortos e milhões de deslocados e refugiados. Felizmente, há quem procure contrariar esta história. O Padre Boniface e a Irmã Treacy têm essa [boa] teimosia.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

 

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