A cruz escondida

Iraque: Cristãos recordam Padre Ragheed assassinado há 12 anos

Balas que não chegam ao Céu

Mataram-no a tiro por manter a igreja aberta, contrariando as ordens que os jihadistas lhe tinham dado. Desobedeceu aos terroristas para cumprir com a sua missão de sacerdote. Morreu em 2007, fez agora 12 anos. O Iraque vivia já dias de terror mas o mais assustador ainda estava para chegar… Dias antes de morrer, o Padre Ragheed enviou uma carta à Fundação AIS.

Dia 3 de Junho de 2007. O Padre Ragheed Ganni sabia que alguma coisa estaria para acontecer. A cidade de Mossul fervilhava de impaciência desde os tempos da invasão dos Estados Unidos. Com o Iraque a desmoronar-se, crescia a violência de muitos grupos radicais que procuravam já impor a sua vontade perante a falência do Estado. O Padre Ragheed, de 35 anos, tinha acabado de regressar, depois de dois anos de formação em Roma, onde estudara graças ao apoio da Fundação AIS. Desde há algum tempo que um grupo jihadista queria encerrar a igreja do Espírito Santo, situada no bairro de Nur, em Mossul. Era a sua igreja, a sua paróquia. As ameaças cresciam de tom de dia para dia. Os Cristãos sentiam-se intimidados. O medo era uma arma usada com eficácia. No dia 3 de Junho de 2007 tudo se precipitou. Foi um domingo. Depois de ter celebrado Missa, o Padre Ragheed seria interpelado já fora da igreja por um grupo de homens. Estavam armados. Obrigaram-no a sair do carro e um deles gritou-lhe: “Mandei-te fechar a igreja. Porque não o fizeste? Porque é que ainda aqui estás?” O padre estava acompanhado por três diáconos. Algumas pessoas que se encontravam ali perto recordam as suas últimas palavras: “Como é que eu posso fechar a Casa de Deus?” Aqueles homens armados sabiam que estavam já acima da lei, que nenhuma polícia os deteria. As armas, as metralhadoras que exibiam eram o salvo-conduto para a impunidade.

Prenúncio da catástrofe

“Como é que eu posso fechar a Casa de Deus?” Algumas pessoas que estavam ali, junto à Igreja do Espírito Santo assistiram a tudo. Mal acabou de dizer estas palavras, o Padre Ragheed foi assassinado a tiro tal como os três diáconos que o acompanhavam. Erguendo as metralhadoras em sinal de vitória, os terroristas abandonaram o local. No chão, os corpos ensanguentados dos quatro homens testemunhavam mais um crime contra os cristãos, mais um crime na cidade de Mossul, no Iraque. Durante horas, ninguém ousou aproximar-se dos corpos do Padre Ragheed e dos três diáconos. O medo já se tinha instalado na cidade, já causava as suas próprias vítimas. “Ninguém ousava recuperar os corpos devido ao clima de tensão”, escreveu, então, um jornalista da agência Asia News. Os cadáveres abandonados junto à Igreja no bairro de Nur eram o prenúncio da catástrofe. O país estava prestes a mergulhar na escuridão do terror. Milhares de cristãos haveriam de conhecer na pele a violência, o medo, a perseguição. Comunidades inteiras foram forçadas a fugir de suas casas abandonando tudo o que tinham, num êxodo sem precedentes nos tempos modernos. Quatro dias antes do seu assassinato, o Padre Ragheed enviara uma carta para a Fundação AIS. Quis o destino que a sua última carta fosse a expressão da sua simpatia para com o trabalho e a missão da AIS. O Padre Ragheed conhecia bem a instituição. Durante sete anos estudou em Roma graças a uma bolsa da Fundação AIS. Na carta, fez questão de agradecer toda a ajuda, todo o apoio recebido. “Quero apenas dizer-vos que irei sempre rezar por todos vós, para que o Senhor vos preserve de todo o mal”, escreveu, tendo afirmado ainda ter sido “um privilégio” ter conhecido o Padre Werenfried van Straaten, o fundador da AIS, a quem se referia como “um santo homem”. Quatro dias depois, o Padre Ragheed seria assassinado pelo ódio jihadista. Mataram-no mas o seu exemplo continua a ser inspirador. Em Maio do ano passado, teve início o processo de beatificação do Padre Ragheed. Os terroristas mataram-no, é verdade, mas as balas das metralhadoras não chegam ao Céu…

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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