Religiosa portuguesa assiste, na Síria, à queda do regime
“O futuro está nas mãos de Deus”
A Síria está em mudança. Caiu o regime, o ditador abandonou o país e todos esperam que os próximos tempos sejam de paz. Horas depois de Damasco ter sido tomada pelos rebeldes, a Irmã Maria Lúcia Ferreira – religiosa portuguesa que vive num mosteiro na vila de Qara – diz que a queda do regime fez-lhe lembrar um pouco “o 25 de Abril”. Enquanto isto, a Fundação AIS reafirma o compromisso no apoio à comunidade cristã, apelando a que haja “justiça, paz e dignidade para todos”
“Está tudo bem.” Com uma simples frase, na madrugada de 9 de Dezembro, a irmã Maria Lúcia Ferreira resumiu o ambiente que se está a viver na vila de Qara, onde se situa o Mosteiro de São Tiago Mutilado, onde vive, e também a situação um pouco por toda a Síria. Na mensagem breve enviada para a Fundação AIS em Lisboa, a religiosa, que é mais conhecida simplesmente como Irmã Myri, dizia que a queda do regime de Bashar al-Assad, com a conquista da capital sem derramamento de sangue, lhe fez lembrar o que aconteceu em Portugal há meio século com a Revolução dos Cravos. “Aconteceu um bocadinho como no 25 de Abril, mas eram rebeldes em vez do exército”, escreveu. Sobre os cristãos, e como estão a viver estes dias inesperados de mudança de regime, a religiosa portuguesa reconhece que houve algum receio, mas que, por agora, as coisas estão calmas. “Os cristãos tiveram muito medo, mas agora estão a voltar a suas casas”, diz, afirmando que os rebeldes, os grupos armados que tomaram o poder, “por enquanto têm indicações claras e mostram respeitar todos”. A Irmã Myri lembra ainda que este movimento armado que levou à queda do regime teve início na província de Idleb, onde estão presentes “várias facções”, e que “a moderada foi ajudada a tomar o poder”. “O grande perigo é o caos até haver um novo governo”, escreve ainda a irmã, cuja mensagem termina dizendo simplesmente que “o futuro está nas mãos de Deus”.
“Todos serão respeitados”
Também o Núncio Apostólico em Damasco, reconhece como positivo o facto de a queda do regime ter acontecido “sem derramamento de sangue, sem a carnificina que se temia”. Em entrevista ao Vatican News, o Cardeal Mario Zenari, tal como a Irmã Myri, refere o compromisso, pelos grupos armados que tomaram o poder, de respeitar os diversos grupos étnicos e religiosos que compõem a Síria. “Aqueles que assumiram o poder prometeram que todos serão respeitados, que uma nova Síria será criada, e esperamos que eles cumpram suas promessas, mas é claro que o caminho ainda é todo árduo”, diz o cardeal. Na entrevista ao portal de notícias do Vaticano, o Núncio Apostólico adianta que já houve encontros entre os líderes revoltosos e os Bispos de Alepo – a primeira cidade que foi resgatada, no final de Novembro, ao poder de Bashar al-Assad – e em que foi assegurado o respeito por todas as denominações cristãs. “Esses rebeldes reuniram-se com os bispos em Alepo imediatamente, nos primeiros dias, assegurando-lhes que respeitarão as várias denominações religiosas e os cristãos. Esperamos que eles mantenham essa promessa e que avancemos em direção à reconciliação e que, além da reconciliação, a Síria também encontre alguma prosperidade, porque as pessoas não aguentam mais.”
Acabar com as sanções
O Núncio Apostólico em Damasco – ele é o embaixador do Vaticano na Síria – diz ainda acreditar que é possível, com “a ajuda da comunidade internacional e com a boa vontade de todos os sírios”, que o país avance agora para “um caminho de reconciliação e reconstrução e um mínimo de prosperidade para toda a população”. Uma esperança que passa também pelo fim das sanções impostas ao regime de Bashar al-Assad e que contribuíram para a pobreza generalizada em que se encontra a Síria, como a Fundação AIS tem referido sistematicamente. “A esperança é que a comunidade internacional também responda, talvez levantando as sanções, porque elas são um fardo que pesa muito sobre as pessoas pobres em particular. Espero que, pouco a pouco, as sanções sejam eliminadas”, disse ainda o Cardeal Mario Zenari, lembrando que é necessário que os novos responsáveis pelo poder cumpram a promessa “de respeitar e criar uma nova Síria em bases democráticas”.
Fundação AIS e o apoio aos Cristãos
A evolução repentina da situação na Síria está a ser acompanhada com muita atenção pela Fundação AIS que reafirma o seu compromisso ininterrupto para com as comunidades cristãs vulneráveis neste país do Médio Oriente, e que têm suportado tantos anos de guerra, pobreza e incerteza. Regina Lynch, a presidente executiva internacional da fundação pontifícia, emitiu um comunicado em que se pede à comunidade internacional e às novas autoridades do país para assegurarem os direitos fundamentais de todas as comunidades religiosas. “Apelamos à comunidade internacional e às novas autoridades da Síria para que assegurem a protecção dos direitos fundamentais de todas as comunidades religiosas, garantindo a sua liberdade de culto, a sua educação e o seu direito a viver em paz.”
Paulo Aido