A cruz escondida

A história incrível de um jovem perdido no mar na Indonésia

Quarenta e nove dias

Passaram por ele dez barcos, mas ninguém o viu. Passaram dias e noites, passaram horas e semanas, e ninguém o viu. Arrastado pelo vento, numa cabana de madeira que se transformou em jangada, o jovem Adilang, de 18 anos, sobreviveu a comer peixe cru e a beber água filtrada pela roupa. Foi resgatado ao fim de 49 dias. Sobreviveu lendo a Bíblia que o acompanha sempre para todo o lado.

É uma história incrível de sobrevivência. O jovem Adilang estava numa precária cabana de pesca, construída em madeira, suspensa sobre a água em estacas. O seu trabalho consistia em acender lamparinas de petróleo nas cabanas. É um método artesanal para atrair os peixes. É uma espécie de isco. Os peixes são atraídos pela curiosidade da luz e depois as redes que se estendem nas águas transformam-se em armadilhas fatais. Adilang recebia pouco mais de 130 euros por mês pelo seu trabalho. Estava ele nisto, a acender as lamparinas, quando, em Julho, se levantou um vento forte, ameaçador. O vento foi crescendo, cada vez mais ameaçador e acabou por romper as cordas que prendiam a cabana às estacas. De um momento para o outro, Adilang viu-se a navegar nas águas das Celebes, com as ondas enfurecidas a fazerem ranger a cabana que se transformou numa improvisada jangada. Assustado, Adilang compreendeu que estava completamente só. Não tinha telefone nem bússola, não tinha qualquer tipo de equipamento para navegar. Adilang estava só, no meio do mar, em cima de umas tábuas que pareciam uma tosca casa de pescadores. Como sobreviver? Durante os primeiros dias, talvez uma semana, Adilang foi sobrevivendo racionando os poucos alimentos que tinha consigo, qual Robinson Crusoe a dividir as últimas bolachas, a beber minúsculos tragos de água, sempre na esperança que algum barco passasse por ali e o visse, na sua ilha de madeira. E passaram alguns. Sempre que os avistava, Adilang procurava chamar a atenção, gritava, mas era apenas um minúsculo ponto no enorme mar. Insignificante. Ninguém o viu. Passaram 10 barcos e ninguém reparou nele. Foram dez vezes em que se encheu de esperança. Foram dez vezes em que se deixou tomar por um desespero absoluto. Chegou até a pensar no suicídio. Mas isso não aconteceu.

Sozinho com Deus

Adilang é cristão. E leva muito a sério a sua relação com Deus. Anda sempre com uma Bíblia consigo. E isso acabou por salvá-lo. Para comer, conseguia apanhar alguns peixes. A princípio, ainda usou algumas tiras de madeira para acender fogueiras e, assim, assar os peixes. Depois, deixou de ser possível. “Até comi peixe cru”, afirmou mais tarde ao contar a sua história. Para beber água, improvisou um sistema de filtro, mergulhando peças de roupa no mar, purgando-as do sal. Mas para sobreviver mesmo, Adilang passou horas a ler a Bíblia, a entoar os cânticos que conhecia das Missas de domingo e a rezar. Foram mais de 1170 horas sozinho no mar. Nas suas orações, Adilang pensava nos pais. Queria voltar para casa, para o seu porto de abrigo. Adilang não sabia que já estava bem longe de casa, a milhares de quilómetros de distância, quando um barco com a bandeira do Panamá e carregado de carvão o avistou, no último dia de Agosto. “Eu gritei ‘help, help’, que era a única coisa que sabia dizer”, explicou. Gritou por socorro e foi socorrido. Deram-lhe roupa e água. E comida. Dias depois, estava de regresso a casa. A história de Adilang é extraordinária até pela força da fé revelada por este jovem de 18 anos que pertence a uma das comunidades religiosas mais ameaçadas na Indonésia. O fundamentalismo tem vindo a crescer de dia para dia neste país e os Cristãos são cada vez mais ameaçados. Mas Adilang não tem medo de andar sempre com a sua Bíblia para todo o lado. E faz bem. Foi isso que o salvou. Esteve 49 dias sozinho, perdido no mar, mas sempre acompanhado por Deus.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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