Irmã Maria Mendes recorda a luta pela independência de Timor-Leste
“Colocámos tudo nas mãos de Deus”
Quando São João Paulo II visitou Timor-Leste, em 1989, a Irmã Maria Mendes era ainda adolescente, mas viveu muito de perto a visita do Papa. Uma visita que se revelaria fundamental para a independência deste território que então estava sob a ocupação da Indonésia. Hoje, 35 anos depois, esta missionária Serva do Espírito Santo vive em Portugal num bairro problemático às portas de Lisboa e é à distância, mas empolgada, que acompanhou a visita de Francisco à terra que a viu nascer.
Nascida no seio de uma família onde a fé era sentida de forma intensa e em que todos os dias se rezava o terço, Maria Mendes decidiu seguir a vida religiosa sem imaginar que isso a levaria a viver, muitos anos mais tarde, no meio de um bairro problemático às portas de Lisboa. Em 1995 fez os primeiros votos. Timor-Leste era então um país ocupado pela Indonésia. A independência só chegaria em 2002, após décadas de luta, de resistência, de muitas orações e de mais de 100 mil mortos. A visita de São João Paulo II a Díli, a capital timorense, a 12 de Outubro de 1989, visita que durou apenas quatro horas, revelar-se-ia fundamental para esse processo de independência, ajudando a colocar Timor-Leste no mapa. A Irmã Maria era então muito jovem, uma adolescente que andava na escola, no 10º ano, mas recorda-se bem dessa viagem. Agora, 35 anos depois, foi com entusiasmo, embora à distância, que seguiu a segunda visita de um Santo Padre à sua terra, desde a casa onde vive com mais duas irmãs no Bairro de Casal de Cambra, conhecido localmente como “a Bósnia”. O nome diz quase tudo. Por ali, em prédios altos, foram “arrumadas” centenas de pessoas que viviam em barracas na região. Hoje, a degradação dos prédios é evidente. Os elevadores não funcionam, as lâmpadas estão fundidas, as paredes sujas e em toda a zona se percebe o ambiente de um gueto, de um subúrbio mal-amado, escondido dos olhares do mundo.
O primeiro dia na “Bósnia”
A Irmã Maria Mendes não se esquece da primeira vez que subiu as escadas até ao terceiro andar, até à casa de três assoalhadas onde vive agora com duas outras missionárias Servas do Espírito Santo, uma timorense, como ela, e uma argentina. “Fiquei assustada. À noite tem barulho, há gritos… Aqui em Portugal há uma lei que regula o barulho, mas aqui, no bairro, isso não existe. Não conseguimos dormir. Eu fiquei muito assustada quando cheguei aqui. E dizia: ‘mas que missão é esta?’ Mas depois, mais tarde, comecei a perceber que é aqui que temos de estar, porque o nosso fundador, Arnaldo Janssen, dizia: ‘vai para o lugar onde mais ninguém quer ir’. Isso não quer dizer que ninguém queira vir para aqui, mas Deus colocou-nos aqui neste lugar e temos de viver isto, faz parte da experiência da missão.” O bairro é problemático. É conhecido como “a Bósnia”. Por lá vivem famílias oriundas de muitos países, de muitos lugares. Há pessoas de Angola, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde, do Brasil e também de Timor-Leste. E também há famílias ciganas. “Aqui tem drogas, prostitutas…”, diz a irmã, descrevendo sumariamente o bairro. “O nosso trabalho é a promoção humana, damos catequese, aulas de religião e moral, visita às famílias, temos grupos de convívio, grupos de idosos, temos grupo de adoração ao Santíssimo e fazemos tudo isso com o nosso pároco, o Padre Luís Jorge, de Casal de Cambra”, sintetiza. O bairro tem quatro prédios, cada prédio tem dez andares, cada andar tem quatro famílias, cada família tem muitas pessoas. No total, haverá por ali, por esta “Bósnia”, cerca de duas mil pessoas. Aos poucos, as irmãs vão fazendo o seu trabalho. A aposta é essencialmente nos jovens. Neste momento há 70 crianças e jovens na catequese, mas muitos não chegam ao fim. É um trabalho difícil que começa logo no simples preenchimento das fichas de identificação das crianças. “Nós temos de andar atrás [deles], a pedir, por favor, para entregarem as fichas, e nós não sabemos quem é a verdadeira mãe e quem é o verdadeiro pai. Algumas crianças moram com os avós, moram com o tio, ou com a madrasta…” E também há os pais que estão na prisão. “Tudo isso é sempre muito problemático. E há as mães adolescentes que engravidaram e depois os filhos estão em instituições… É um grande desafio…”
A luta pela independência
Um desafio que pode parecer difícil de ultrapassar como foi o da luta pela independência de Timor-Leste. Uma independência que, como sublinha a Irmã Mendes, foi conquistada também graças à fé do povo Timorense. “Sim, foi a fé. No tempo da guerra, o povo viveu na escuridão, viveu momentos de incerteza, mas, ao mesmo tempo, tínhamos a certeza de que, mais tarde ou mais cedo, Deus nunca falharia, que íamos ter a independência. Eu própria acompanhei isso, tínhamos grande fé. Nas noites de perseguições dos militares [indonésios], em que mataram muitos jovens, cada pessoa tinha um terço na mão, todos nós rezávamos o terço toda a noite. A fé ajudou a conquistar a independência…” Tudo aconteceu há muitos anos, mas a memória desses tempos permanece inteira e intacta. Como a recordação das primeiras orações que aprendeu com os pais. “Venho de uma família onde a fé era vivida de forma simples. Todos os dias rezávamos o terço e participávamos na Missa aos Domingos. O meu pai contava-nos histórias de missionários que deram a vida para ajudar outras pessoas e isso ajudava a abrir o meu coração e a pensar que poderia um dia fazer o mesmo.” E esse dia chegou. Em 1995 fez os primeiros votos, ainda Timor-Leste era um território ocupado pela Indonésia. “O povo passou por experiências de muita dor, desespero, tristeza, sofrimento e escuridão”, lembra a irmã, acrescentando: “gostaria de dizer que os religiosos e religiosas que trabalhavam então em Timor-Leste levaram o perdão, paz a esperança, o consolo e a alegria ao povo.” Foram momentos muito fortes, intensos. A independência aconteceu em 2002. Um ano antes, a Irmã Maria Mendes foi enviada como missionária para Portugal. E é em Portugal que ainda está. E foi desde Casal de Cambra, onde vive, que acompanhou a visita do Papa Francisco de 9 a 11 deste mês de Setembro. “A consequência da visita de Sua Santidade é a de criar um ambiente para melhorar o país em todos os aspectos. O Governo precisa de trabalhar com a Igreja e a Igreja precisa de trabalhar com o Governo, todos de mãos dadas para melhorar a situação em todos os aspectos: no combate à pobreza e à injustiça”, diz a irmã à Fundação AIS, instituição da Igreja que tem um contacto regular com Timor-Leste, apoiando dezenas de projectos nas últimas décadas.
Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt