A cruz escondida

Bispo de Pemba visitou comunidades cristãs atacadas pelos terroristas

Medo e fome em Cabo Delgado

D. António Juliasse visitou algumas comunidades cristãs no norte da Diocese de Pemba que foram alvo da violência brutal dos terroristas que reivindicam pertencer ao Daesh, o grupo Estado Islâmico, e que têm deixado um rasto de medo em Cabo Delgado. Numa mensagem enviada para a Fundação AIS em Lisboa, o prelado descreve a alegria com que foi acolhido e a dor de celebrar “ao relento ou ao lado dos escombros das igrejas destruídas”, e deixa o alerta para o problema da fome…

Nangololo, Litingina, Imbuho, Chilinde, Mueda… foram muitos os locais, foram muitas as comunidades que o Bispo de Pemba percorreu ao longo dos últimos dias, numa visita pastoral que o levou ao encontro de algumas das populações que vivem mais ao norte da Diocese e que mais têm sofrido ao longo dos últimos anos com a violência terrorista que tem fustigado a província de Cabo Delgado desde Outubro de 2017. Uma visita pastoral que era desejada mas que, por motivos de segurança, não tinha sido possível cumprir. Aconteceu agora. “É grande a dor que sinto como pastor da Diocese de não poder visitar todos os Cristãos por causa da insegurança. As lideranças cristãs locais avisaram-me através dos sacerdotes que estão em Mueda da possibilidade de se chegar a algumas regiões. Parti e foi um momento único de recepção calorosa, de alegria e de esperança.” É assim que começa a mensagem enviada pelo Bispo de Pemba para a Fundação AIS em Lisboa mal terminou a visita pastoral. Não é possível falar-se hoje da Diocese de Pemba, que corresponde à província de Cabo Delgado, sem se referir os ataques terroristas que têm ocorrido nesta região desde Outubro de 2017. Tudo mudou desde então. Ao longo destes quase sete anos, calcula-se que mais de cinco mil pessoas tenham sido mortas, havendo ainda cerca de 1 milhão de deslocados. Nem a Igreja escapou à violência dos grupos armados, conhecidos localmente como ‘insurgentes’ e que reivindicam pertencer ao Daesh, a organização jihadista Estado islâmico. Muitas capelas e estruturas da Igreja foram destruídas ou vandalizadas e algumas ficaram completamente em ruínas. Um dos casos mais dramáticos ocorreu em 2020 na histórica missão católica de Nangololo, a segunda mais antiga de toda a diocese e que foi fundada há 100 anos pelos Padres Monfortinos. Por ali, a Igreja tinha construído salas de aula, um posto médico, uma estação de rádio comunitária, centros de formação, até um poço para o fornecimento de água. Praticamente tudo foi destruído. Foi nesse lugar, no meio dessas ruínas, que o povo cristão voltou agora a rezar juntamente com o seu bispo. Foi histórico. D. António Juliasse esteve por lá e em muitas outras localidades. Foi um reencontro emotivo do Bispo de Pemba com o povo de Deus. Um reencontro marcado pela tragédia que tem ensombrado a região de Cabo Delgado. “Em todos os lados, as Missas foram feitas assim, ao relento, ou ao lado dos escombros das igrejas destruídas, vandalizadas, como foi o caso de Nangololo. É uma dor muito grande ver edifícios destruídos, edifícios que, durante tanto tempo, foram expressivos para a fé das pessoas, de tantas pessoas, e que agora não resta grande coisa senão destroços.”

“Situação muito complicada”

D. António Juliasse faz nesta mensagem também um retrato de como está actualmente a situação na região. E há palavras que se repetem sempre que se fala em Cabo Delgado. Uma delas é medo. A outra é fome. “Em todo o lado prevalece o medo e a incerteza sobre o futuro. O sofrimento ainda é grande. São ainda muitos os campos de deslocados que se mantêm activos por aqueles lados. Mas, infelizmente, com menos assistência humanitária por estes dias. Sem segurança, as pessoas têm medo de serem surpreendidas nos campos, que distam normalmente entre 1 km e 3 km da aldeia onde vivem e por isso a produção ainda é baixa e surge portanto o problema da fome, porque as pessoas não produzem o suficiente e também os outros serviços não funcionam adequadamente”, explica D. António Juliasse para concluir que, “portanto, esta é uma situação ainda muito complicada”. Em algumas aldeias, diz ainda o prelado, já algumas pessoas começaram a regressar, mas não mais de 20 a 30 % da população que por lá vivia. Mas em todo o lado prevalece o receio de novos ataques, da incursão dos terroristas, da violência que eles arrastam quase sempre consigo. No meio de tudo isto, a fé do povo tem persistido. D. António Juliasse fala mesmo que viveu uma “experiência reconfortante”, ao ser acolhido “calorosamente” em todo o lado, “com cantos e danças” e até com a partilha de bens durante os ofertórios, o que deixou D. Juliasse particularmente comovido, dada a situação de extrema pobreza na região. No relato do Bispo de Pemba há a esperança de que os tempos negros que se vivem no norte de Moçambique possam terminar, dando lugar a uma vida de paz e de menos pobreza e sofrimento. “Eu vejo que é pela fé em Deus a esperança de que esta guerra um dia terá fim e que este povo está capaz de aguentar o sofrimento do momento”, diz ainda D. Juliasse, que terminou a mensagem enviada para Lisboa com um agradecimento à solidariedade que a Fundação AIS tem manifestado para com a Igreja de Pemba desde a primeira hora, desde que os ataques terroristas começaram a atingir o território. “Agradeço a todos os que nos apoiam para estarmos perto deste povo, oferecendo-lhe o conforto espiritual. A Fundação Ajuda à Igreja que Sofre tem apoiado os sacerdotes para fazerem este tipo de trabalho, de estar mais próximo dos que sofrem, e apoiarem-nos com o conforto espiritual, e este ano também recebemos ajuda de combustível para que possamos fazer este trabalho. E, portanto, manifesto aqui o meu agradecimento a todos os que contribuem para que isto esteja a ser possível. Muito obrigado!

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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