A cruz escondida

Igreja recordou o assassinato, em França, do Padre Jacques Hamel

Foto: Fundação AIS

Mártir aos 85 anos

Em 26 de Julho de 2016, o Padre Jacques Hamel, foi assassinado por dois extremistas islâmicos que juraram fidelidade ao Daesh. Obrigaram-no a ajoelhar-se, em plena Igreja, antes de o degolarem. Na passada sexta-feira, este sacerdote, que o Papa referiu como sendo “um mártir”, foi lembrado na paróquia de Saint Étienne-du-Rouvray, onde serviu até ao último instante da sua vida. Além de uma vigília de oração houve também uma cerimónia organizada pelo município local. Jacques Hamel tinha 85 anos…

Foi o primeiro sacerdote mártir na Europa às mãos do grupo jihadista Estado Islâmico. Há precisamente oito anos, a 26 de Julho de 2016, dois homens irromperam pela igreja de Saint Étienne-du-Rouvray e agarraram o Padre Hamel, de 85 anos de idade, que tinha acabado de celebrar a Missa em substituição do sacerdote habitual. Os dois terroristas obrigaram-no a ajoelhar-se e degolaram-no. Testemunhas presentes no local asseguram que as últimas palavras do idoso sacerdote foram: “Afasta-te de mim, Satanás!”. O Papa Francisco referiu-se já ao Padre Hamel como sendo “um mártir!” A causa da sua beatificação foi oficialmente iniciada um ano depois do assassinato, em 20 de Maio de 2017. Na passada sexta-feira, a comunidade católica local recordou este sacerdote “e todas as vítimas do terrorismo” com um programa que juntou não só autoridades religiosas mas também civis. Houve uma missa, presidida por D. Dominique Lebrun, Arcebispo de Rouen, a que se seguiu uma “cerimónia republicana pela paz e fraternidade” em homenagem ao Padre Hamel e que foi organizada pelo município local. O crime de há oito anos comoveu o mundo pela idade avançada do sacerdote, pela violência brutal usada pelos terroristas, mas também pelo facto de ter sido o primeiro padre católico a ser morto na Europa pelos extremistas do Daesh.

A perplexidade pelo ataque

Ainda hoje, a comunidade local, os que conheceram e se habituaram a conviver com o Padre Jacques Hamel recordam com profunda perplexidade tudo o que aconteceu. É difícil compreender tanta maldade, tanto ódio, tanta capacidade para fazer mal a alguém tão idoso e de aspecto tão frágil. Uma perplexidade que aumenta quando se descobriu, mais tarde, que não se tratou de um ataque fortuito. Na verdade, foi algo planeado nos mais diversos pormenores, concebido para perturbar, para servir de aviso a todos os crentes, aos “cruzados”, como os jihadistas gostam de apelidar os cristãos. Mataram o Padre Hamel com o propósito também de atemorizar a comunidade cristã, mas acabaram por plantar, isso sim, uma profunda semente de fé. O Padre Jacques Hamel já tinha passado a idade da reforma há quase uma década, mas continuava a trabalhar como padre assistente na Paróquia de Saint Étienne-du-Rouvray, um subúrbio de Rouen, no nordeste de França. Mostrava uma grande abertura ao diálogo ecuménico e inter-religioso com muçulmanos e judeus que residiam na zona. Depois do seu assassinato multiplicaram-se mesmo os encontros entre as várias confissões religiosas. Considerado como mártir pelos fiéis mal se soube da notícia do assassinato, o processo de beatificação do Padre Jacques Hamel arrancou logo um ano depois tendo-se concluído já em 2019 a chamada fase diocesana. Ao longo desse trabalho foram reunidas mais de 11 mil páginas de documentos, de testemunhos, de histórias de vida e até as homilias deste sacerdote francês que o Papa Francisco viria a recordar como sendo “um homem manso e bom, que criava fraternidade” e que “deu a vida para não renegar Jesus”.

Igreja, local de romaria

Praticamente desde o dia do assassinato que a Igreja de Saint-Étienne-du-Rouvray, na Normandia, se transformou num local de peregrinação. De facto, a comunidade cristã tem honrado a memória do Padre Hamel. Há cada vez mais pessoas que se deslocam à Igreja para rezar, mas também há quem se dirija até lá em romaria, emprestando a este lugar onde se derramou o sangue de um sacerdote, de um mártir, um sentido muito particular, muito especial. O Padre Paul Vigouroux, da diocese de Rouen, explicou isso ao secretariado francês da Fundação AIS: “Os fiéis vão à igreja ou ao túmulo do Padre Hamel, sozinhos ou em grupos para rezar”. O movimento de fiéis não tem parado de crescer e vai dar origem, provavelmente já no próximo ano, à criação de um “espaço de acolhimento” no centro paroquial, ao lado do presbitério onde vivia o Padre Hamel. Nesse local haverá uma exposição permanente com a reconstituição dos acontecimentos de há oito anos. Uma exposição onde, provavelmente, será exibido o texto da homilia do Papa Francisco a 14 de Setembro de 2016, na missa em sufrágio do Padre Jacques Hamel. Na altura, o Santo Padre recordou o sacerdote como exemplo de coragem e de vida que deve ser imitado por todos. “O Padre Jacques Hamel foi degolado na Cruz, precisamente enquanto celebrava o sacrifício da Cruz de Cristo. Homem bom, manso, fraterno, que procurava fazer sempre a paz, foi assassinado como se fosse um criminoso. Eis o fio satânico da perseguição. Mas há algo neste homem que aceitou o martírio ali, com o martírio de Cristo no altar, há algo que me faz pensar muito: no momento difícil que vivia, no meio da tragédia que ele via aproximar-se, homem manso e bom, homem que criava fraternidade, não perdeu a lucidez de acusar e dizer claramente o nome do assassino: ‘Afasta-te, Satanás!’. Deu a vida por nós, deu a vida para não renegar Jesus”, disse o Santo Padre nessa missa que decorreu na capela da casa de Santa Marta, no Vaticano. “Que este exemplo de coragem, o martírio da sua vida, de se esvaziar a si mesmo para ajudar os outros, de criar fraternidade entre os homens, ajude todos nós a progredir sem medo. Que do Céu ele – devemos pedir-lhe, é um mártir, e os mártires são beatos, devemos rezar-lhe — nos dê a mansidão, a fraternidade, a paz, a coragem de dizer a verdade: matar em nome de Deus é satânico!”, concluiu o Papa Francisco.

Paulo Aido

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Agência ECCLESIA

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