A cruz escondida

Irmã em Timor-Leste fala do país que o Papa visita em Setembro

 “Ainda existe muita fome”

A Irmã Cristina Macrino, uma enfermeira em missão em Bobonaro, faz, para a Fundação AIS, um retrato deste país católico de língua oficial portuguesa que o Papa vai visitar em Setembro. Um país marcado pelo subdesenvolvimento, onde a água potável é escassa, a alimentação pobre, as estradas más e onde há problemas ao nível da saúde. No meio de tudo isto, receber o Papa, diz a religiosa, “é uma forma de abençoar e de dar esperança ao povo…”

“Foi uma notícia praticamente histórica”, diz a Irmã Cristina Macrino, da congregação das Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima, sobre o anúncio de que o Papa Francisco vai visitar Timor-Leste no início de Setembro deste ano no contexto de um périplo asiático que o levará também a Singapura, Papua Nova-Guiné e Indonésia. Timor-Leste é, nesta viagem, o país mais católico que o Santo Padre vai encontrar. Mais católico e, a par da Papua Nova-Guiné, também um dos mais pobres do mundo. A Irmã Macrino, uma enfermeira em missão em Bobonaro, é uma das responsáveis, desde 2012, por um centro social que apoia todos os dias cerca de 350 crianças com alimentação e actividades lúdicas, além de trabalhar numa clínica que presta apoio à população local – cerca de 6 mil pessoas – mas também a todos os que vivem nas aldeias mais remotas. “A aldeia onde estamos chama-se Memo, o bairro chama-se Pipgala, que significa cabrito assado na língua materna, e é de facto uma alegria vivermos aqui em missão.” Uma alegria que agora ganha um novo alento com a visita anunciada do Santo Padre para os dias 6 a 9 de Setembro. “Já começou a preparação para essa visita”, esclarece a irmã, acrescentando que todos estão “numa grande ansiedade para viver este acontecimento de forma intensa, marcante, e com muita alegria”, e na expectativa das “muitas bênçãos que vamos receber com toda a certeza”. Para a Irmã Cristina, receber o Papa significa também, e principalmente, “dar esperança ao povo”.

“A saúde é uma preocupação”

Mas que país vai o Papa Francisco encontrar nesta viagem? Que retrato se pode fazer de Timor-Leste? “Este é um país que está em desenvolvimento, um país humanamente rico na fé católica, um país rico na beleza natural, um povo acolhedor, tranquilo, capaz de dar uma alegria também ao Papa porque será muito bem recebido, com muito amor e muita alegria”, diz a irmã portuguesa, acrescentando que Timor-Leste é ainda um país subdesenvolvido e isso é visível em vários sectores. “A água potável, por exemplo, é escassa apesar de haver ribeiras e rios. A saúde é uma preocupação para o povo e para o Governo. A saúde é fraca porque a nutrição também é muito fraca. As pessoas têm poucos meios financeiros, passam dificuldades, o clima também não ajuda, faz muito calor e, portanto, torna-se difícil. Outro grande problema é com os acessos para que as pessoas possam circular no país. Com as estradas ainda muito danificadas é difícil fazer grandes percursos e isso é de facto um grande problema para Timor-Leste em termos de desenvolvimento”, afirma a religiosa. A questão da alimentação é outro dos problemas que a irmã acentua, talvez pela sua sensibilidade como enfermeira e pelo seu contacto diário com as populações. E fala mesmo em fome. “Ainda existe muita fome em Timor. As famílias passam muito mal em termos de alimentação. A base da alimentação é de facto o arroz, a hortaliça e pouco mais. Por isso existe ainda muita tuberculose aqui em Timor-Leste e muita gastroenterite nas crianças e por isso ainda morrem muitas crianças com diarreias e vómitos. É um problema que estamos todos a tentar resolver, mas está longe, está muito longe de se alcançar uma solução, uma resolução para este problema da fome e das necessidades nutricionais em Timor-Leste”, explica Cristina Macrino.

“Uma emoção estar com o Papa”

A visita do Papa Francisco poderá ser um elemento catalisador para o desenvolvimento do país, para a resolução de alguns destes problemas crónicos identificados pela religiosa portuguesa. “É necessário trabalhar com esperança, trabalhar com amor, e trabalhar com essa certeza de que, todos juntos, podemos fazer um mundo melhor, todos juntos podemos fazer um Timor mais feliz, mais digno em cada casa, em cada família, em cada distrito, em cada aldeia, em cada município, em geral”, diz a irmã. Se a visita do Santo Padre está a ser encarada com muita expectativa e até alguma ansiedade, como é que Cristina Macrino vê a possibilidade de, ela própria, poder encontrar-se pessoalmente com Francisco? Que lhe diria? “Não sei. Seria uma emoção muito grande se chegasse perto do Papa, é verdade. Para Timor-Leste, pediria oração, que rezasse pelo povo de Timor, para que nunca perca a sua fé, nunca perca a esperança, nunca perca a vontade de continuar a lutar por si, pela vida, por um país com mais capacidade para dar futuro ao futuro povo de Timor. Não poderia pedir mais nada, não é? Tenho confiança de que, ao olhar o Papa olhos nos olhos, ele iria escutar o meu pedido de oração e penso que [isso] só por si já seria uma bênção para o povo e pelo menos para a nossa missão e para o nosso povo, a quem servimos no dia-a-dia”, diz a Irmã Cristina Macrino. Timor-Leste é um país profundamente católico. Foi colónia portuguesa até 1975, tendo sido invadido e ocupado então pela Indonésia – após uma declaração fugaz de independência –, o que motivou uma longa luta de guerrilha até que ganhou a sua autodeterminação em 1999, sob o patrocínio das Nações Unidas. Durante a ocupação indonésia, a população local foi duramente reprimida e muitos sacerdotes e religiosas arriscaram a vida para defender os cidadãos dos abusos militares. A declaração de independência aconteceu a 20 de Maio de 2002, tornando-se então no primeiro estado soberano deste século. Esta será a segunda visita papal ao território, depois da de João Paulo II, em 1989.

A Fundação AIS tem um contacto regular com a Igreja de Timor-Leste, apoiando dezenas de projectos há décadas.

Paulo Aido

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Agência ECCLESIA

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