Cristãos do Paquistão continuam a ser vítimas da Lei da Blasfémia
A vida no fio da navalha
No Paquistão morreu mais um cristão vítima da iníqua lei da blasfémia. Fica aqui o seu nome para o registo dos mártires do Cristianismo neste país: Nazir Gill Masih. Tinha 70 anos, era dono de uma pequeníssima fábrica de calçado em Sargodha. Era mais um sapateiro do que um industrial, mas o seu negócio provocava invejas, ciúmes. Lançaram sobre ele uma mentira para agitar a raiva das multidões. Foi brutalmente agredido e acabou por morrer no hospital.
“Infelizmente, não é a primeira vez que isto acontece no Paquistão.” A frase, de Joel Amir Sohatra, antigo membro do Parlamento Provincial do Punjab, sintetiza o sentimento de revolta da comunidade cristã perante a notícia da morte de um cristão, Nazir Gill Masih, no passado dia 3 de Junho, no hospital, depois de ter sido falsamente acusado de blasfémia em Sargodha, Rawalpindi, e a prisão de uma mulher, Jamila Jacob, no dia 4 de Junho, em Lahore, também na sequência de uma denúncia semelhante. Numa mensagem enviada à Fundação AIS em Lisboa, o dirigente da comunidade cristã descreve sumariamente ambos os casos e diz, em desabafo, que “só Deus pode fazer algo por nós”. A situação mais grave aconteceu com Nazir Gill Masih, de 70 anos, que não resistiu aos ferimentos de que foi vítima ao ser espancado em Sargodha, a 25 de Maio. “Uma multidão violenta cercou as casas de cristãos na sequência de alegações de que um homem cristão tinha queimado o Corão. Este incidente resultou no espancamento brutal de um homem cristão, e em danos materiais significativos”, escreve Joel Amir. “A multidão, incitada por estas acusações, tentou queimar as casas e prejudicar a comunidade cristã. As autoridades responderam com o envio de forças adicionais policiais e do exército para restabelecer a ordem”, diz ainda na mensagem enviada para Lisboa, acrescentando que Nazir Gill Masih tinha “um pequeno negócio de fabrico de calçado”, e que, por ser cristão, e “para impedir o negócio, os seus rivais acusaram-no de ter queimado o Corão”.
Incidentes aumentam de dia para dia
Os acontecimentos precipitaram-se no sábado, dia 25 de Maio, mas já no dia anterior havia tensão no ar. “A situação estava tensa desde sexta-feira, quando os clérigos muçulmanos anunciaram nas mesquitas que um infiel tinha cometido uma blasfémia”, explica Joel Amir Sohatra. No ataque, além da pequena fábrica de calçado, “a multidão violenta” teve como alvo também as casas dos Cristãos. Na mensagem, Joel Amir diz que “é muito fácil acusar alguém e depois matá-lo. Isto continua a acontecer e os incidentes aumentam de dia para dia. Sinceramente, não há segurança para as minorias religiosas. Nem sequer há esperança de protecção no futuro”, diz o antigo deputado provincial, concluindo que, face a tudo isto e à sucessão de casos envolvendo membros da comunidade cristã, “a situação continua a ser de pânico em todo o país”. Em relação ao ataque que vitimou Nazir Gill Masih, Joel Amir Sohatra afirma ainda que foi “organizado” pelos extremistas do TLP, Tehreek Taliban Pakistan. “De acordo com o relatório da Comissão dos Direitos do Homem do Paquistão, o ataque foi perpetrado pelo TLP e o Governo manipulou os meios de comunicação social nacionais para não fazerem a cobertura nem publicar o triste incidente na imprensa e nos media”, explicou o dirigente cristão. “Condenamos veementemente este acto de violência. Apoiamos todas as vítimas da intolerância religiosa e continuaremos a trabalhar para garantir a justiça e a harmonia na nossa sociedade”, acrescentou na mensagem enviada à Fundação AIS. Todos estes casos, a morte de Nazir Gill Masih, que não resistiu ao espancamento, e depois a detenção de Jamila Jacob, ambos na sequência de falsas acusações de blasfémia, deixam a minoritária comunidade cristã paquistanesa numa situação de medo e insegurança. “Sentimo-nos realmente indefesos e estranhos no nosso próprio país, a terra pela qual os nossos antepassados deram a vida e se sacrificaram. A Constituição deu-nos liberdade de práticas religiosas e justiça para todos, mas tudo isso está apenas no papel, praticamente após sete décadas, pois ainda estamos a lutar para provar que somos pioneiros deste país. Agora, temos apenas uma esperança na nossa fé: de que só Deus pode fazer algo por nós”, conclui Amir Sohatra na mensagem enviada para Lisboa.
Paulo Aido