A cruz escondida

Sacerdote descreve o drama que os Cristãos enfrentam na Nigéria

Espiral de martírio

A Nigéria vive tempos de enorme violência com comunidades cristãs a serem sistematicamente alvo de ataques. Grupos terroristas, pastores nómadas muçulmanos cada vez mais radicalizados e até bandidos armados, todos se têm vindo a transformar numa ameaça constante e permanente. Recentemente, um sacerdote nigeriano participou numa iniciativa da Fundação AIS de Espanha e denunciou o que classifica como uma “espiral de martírio”, com milhares de pessoas em fuga, aldeias e igrejas incendiadas, ataques deliberados contra sacerdotes, contra a comunidade cristã.

Dia 12 de Abril. As localidades de Kopnanle, Mandung, Bokkos Town e Mbar, todas no distrito de Bokkos, na Diocese de Pankshin, foram atacadas por militantes armados que se suspeita pertencerem aos pastores nómadas Fulani. Durante três dias houve um verdadeiro massacre. Pelo menos 29 cristãos foram mortos, e casas e igrejas foram incendiadas. Este terá sido o mais recente acto de terror contra a comunidade religiosa na Nigéria. Mas tem sido sempre assim, desde há vários anos, numa regularidade assustadora. Para falar disto, para denunciar isto ao mundo, recentemente, o Padre Patrick Anthony Akpabio esteve na Catedral de Almudena, em Madrid, num evento organizado pelo secretariado local da Fundação AIS. As suas palavras são o grito de um povo angustiado que pede socorro. “A Nigéria tornou-se uma terra onde o sangue do seu povo é derramado e misturado com o vinho da alegria. Na Nigéria, as balas juntam-se ao pão, a água às lágrimas e a alegria à dor. Não me orgulho de partilhar os aspectos negativos do meu país neste encontro de oração e comunhão, mas os ataques contra a vida humana e a liberdade religiosa são terríveis. É por isso que devem ser divulgados, para encorajar a vossa fé contra a aridez e a indiferença”, disse o sacerdote. O Padre Patrick nasceu no sul da Nigéria, em Ikot Ekpene, mas vive actualmente em Vitória, no País Basco. Ele foi um dos participantes, a 13 de Março, da Noite dos Testemunhos, uma iniciativa do secretariado espanhol da Fundação AIS. Explicar ao mundo que “a fé dos Cristãos na Nigéria está ameaçada por uma espiral de martírio”, foi o propósito da sua intervenção. “Há muita insegurança, assassinatos, raptos, roubos, proliferação de seitas e grupos armados, tráfico de órgãos crescente e deslocação forçada de pessoas. Um dos fenómenos que mais afecta a Igreja é o brutal assassinato e rapto de padres. As consequências são traumáticas com a dispersão do povo de Deus. Muitas pessoas foram deslocadas, fugindo das suas casas por medo. As vítimas directas e as suas famílias vivem com uma dor irreparável.”

Grupos radicais em crescimento

Toda a sua intervenção foi assim. Objectiva, sem rodeios. Fazendo o retrato de um país onde os Cristãos são uma comunidade religiosa ameaçada em várias frentes, pelo terrorismo, por grupos armados, por bandidos. O Padre Patrick deu alguns exemplos. Histórias de ataques que não foram sequer noticiados ou que foram reportados de forma discreta, sem o relevo que mereciam, como aconteceu agora, no dia 12 de Abril. Lembrou, por exemplo, os 300 cristãos mortos, em Dezembro do ano passado, em ataques a várias aldeias e o incêndio de igrejas em Mangu, já em Janeiro. Mas a lista dos ataques é muito extensa. E a das vítimas também. Estes ataques são atribuídos a grupos islâmicos radicais, como o Boko Haram ou o Estado Islâmico da Província da África Ocidental, e membros do grupo étnico Fulani, que sempre foram pastores nómadas, mas que estão cada vez mais radicalizados num jihadismo militante.

“O bem não é vencido pelas trevas”

É neste ambiente carregado de violência, de ameaças, que a Igreja da Nigéria procura cumprir a sua missão no dia-a-dia. Uma Igreja que é pobre, mas que não desiste dos seus objectivos. Que não desiste de estar junto dos que mais são atingidos pelo ambiente de terror que está a generalizar-se a todo o país. “A Igreja não é indiferente à caridade pastoral e continua a pregar e a ensinar às pessoas os valores da paz, da vida em comunidade, promovendo o perdão, a harmonia, a unidade, a justiça e a protecção dos vulneráveis”, descreveu o sacerdote, agradecendo toda a colaboração que a Fundação AIS tem vindo a dar à Igreja na Nigéria. “A Igreja é pobre financeiramente e os vulneráveis são mais do que os recursos para os apoiar. É por isso que estamos gratos à Fundação Ajuda à Igreja que Sofre pelo apoio financeiro para sustentar estes projectos, bem como para a formação dos seminaristas e o apoio à subsistência dos sacerdotes”, disse, terminando com um pedido de oração por toda a comunidade cristã na Nigéria. Um pedido de oração para que ninguém vacile na sua fé, apesar do ambiente de perseguição que se vive neste país de África. “O amor e a caridade são as armas mais poderosas do mundo, não as balas. Perante os jihadistas, os raptos e a discriminação contra os Cristãos na Nigéria, apesar de a nossa dignidade ter sido subjugada e os nossos direitos religiosos terem sido roubados, usaremos a nossa fé, a nossa última força de vontade. Colocamos o nosso sangue à disposição do Reino de Deus para garantir que o bem não é vencido pelas trevas. Pessoalmente, o meu medo não é o Boko Haram. É falhar e abandonar Deus. Por isso, por favor, rezem por nós e dêem-nos o vosso amor e solidariedade”, disse ainda o Padre Patrick Anthony Akpabio, na Catedral de Almudena, em Madrid.

Paulo Aido

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