Índia: Massacres de Orissa continuam presentes na memória de todos
Aprender a perdoar
Cento e vinte mortos. Milhares de pessoas em fuga. Dezenas de aldeias atacadas. Seis mil casas destruídas. Trezentas igrejas e paróquias arrasadas. Em Agosto de 2008 ocorreu um verdadeiro massacre em Kandhamaln, no Estado de Orissa, na Índia. Foi há 10 anos. Tarun Kumar assistiu a tudo. Ainda hoje parece irreal tanta violência contra os Cristãos…
Tarun Kumar Nayak tinha apenas nove anos quando a sua aldeia foi atacada por uma multidão enfurecida que queria vingar a morte de um monge hindu às mãos de guerrilheiros maoistas muito activos na região. De nada valeu o facto de os próprios guerrilheiros terem reivindicado o assassinato de Swami Saraswati. Para alguns fundamentalistas hindus, que já no Natal de 2007 tinham instigado um violento ataque contra a comunidade cristã em Orissa, os culpados estavam encontrados. O horror foi tal que mais de 50 mil cristãos tiveram de fugir. Não houve ninguém para os proteger, para os salvar. Ninguém. Fugiram para a floresta e esconderam-se. O ataque foi bárbaro e dirigido contra os cristãos. Ninguém foi poupado. Até uma irmã, sobrinha do Arcebispo D. John Barwa, foi violada e arrastada para a rua pela multidão. No passado dia 25 de Agosto, a Igreja lembrou o massacre de Orissa. Numa nota publicada pela arquidiocese de Cuttack-Bhubaneswar, a Igreja sublinha que “a maior dor” que os Cristãos sentiram naqueles dias de infâmia foi “que o massacre dos inocentes continuou livremente por vários meses”. Ainda hoje, dez anos depois, há famílias que não foram ressarcidas de tudo o que perderam. Muitos casos foram simplesmente arquivados pelos tribunais. D. John Barwa – que já esteve em Portugal a convite da Fundação AIS –, afirma que “é preciso paciência e confiança em Deus”. O Arcebispo de Cuttack-Bhubaneswar tem sido incansável no apoio às famílias atingidas pela violência em Orissa. Regularmente visita a região. E em todas as vezes fica impressionado pelos relatos da tragédia. “Algumas pessoas perderam a casa, outras a vida, muitos viram os seus familiares morrer. De algum modo todos ficaram marcados por esta tragédia, que continua a ser uma das mais graves da história da Índia”, diz o prelado.
Dias de fuga
Tarun Kumar Nayak era ainda uma criança quando a violência se abateu sobre a aldeia onde vivia. Dez anos depois, lembra-se de tudo como se a memória desses dias fosse uma sombra que persegue sem cessar. “Tivemos que fugir e tentámos abrigar-nos na densa floresta. Andámos quilómetros no escuro para evitar que nos matassem. Além disso, caminhámos pelo menos dois dias sem comida e sem água. Alguns de nós até caíram em poços, como também nos deparámos com cobras.” O rasto de violência ficou impresso nas casas destruídas, nas Igrejas vandalizadas e profanadas, nas dezenas de mulheres violentadas, nas pessoas que ficaram enlutadas para o resto das suas vidas. A maior ironia é que hoje, dez anos depois, nenhum dos criminosos responsáveis pela onda de violência em Orissa está na prisão. Nem assassinos, nem ladrões, nem violadores. Ninguém. Mas sete cristãos que foram injustamente acusados de terem participado no assassinato do monge hindu – crime que foi prontamente reivindicado por guerrilheiros maoistas – continuam presos. Foi há dez anos. A vida dos que sofreram na pele a violência mais abjecta só se reconstrói com verdadeiro perdão. D. John Barwa, quando visitou Portugal, explicou que, apesar de toda a violência é preciso continuar a dizer e a ensinar que “Deus é a resposta”. “Deus é amor e no amor está o perdão.” Por isso, há cada vez mais Cristãos na Índia. É fácil encontrá-los e não só em Orissa. Basta procurá-los entre os ‘dalits’, entre as comunidades tribais, junto dos mais miseráveis e excluídos da sociedade. Eles mostram com a própria vida o sentido do perdão.
Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt