A cruz escondida

No Ruanda, o genocídio dos tutsis é ainda uma memória dolorosa

O longo caminho da paz

Foi há 29 anos. Por estes dias, o Ruanda estava transformado num quase matadouro. Viveram-se situações brutais de violência étnica. De violência dos hutus contra os tutsis. Houve cerca de 1 milhão de mortos. Ainda hoje há centenas de pessoas presas que foram condenadas pelos massacres. A Igreja trabalha com eles, procurando ajudar no processo de reconciliação. O Pe. Thégène Ngoboka é voluntário na prisão de Rusizi…

Foram apenas 100 dias. Em 1994, grupos de homens armados, pertencentes à etnia hutu, mataram membros da minoria tutsi. Provavelmente nunca se saberá o número exacto dos que morreram. A contabilidade ainda não está feita. Estima-se que entre 800 mil a 1 milhão de pessoas tenham sido assassinadas, muitas vezes com requintes de malvadez, em cerca de três meses. Foram 100 dias que enlutarem o país. Ainda hoje é difícil olhar para trás e recordar o que se passou. Mas sempre que se fala desses três meses de violência, empregam-se palavras como massacre ou genocídio. O Pe. Thégène Ngoboka, director da Comissão Justiça e Paz de Cyangugu, é voluntário na prisão de Rusizi, onde realiza o seu trabalho pastoral. Recentemente, a Fundação AIS esteve no Ruanda e falou com ele. O trabalho deste sacerdote é essencial para que o perdão e a reconciliação sejam uma realidade, apesar de se estar a lidar com memórias extremamente dolorosas. Ele tem salvo-conduto. Pode entrar e sair livremente da cadeia, juntamente com outros voluntários. A sua preocupação principal é ajudar os reclusos que estão a terminar as suas penas de prisão e que se preparam para sair, mas que têm de lidar com uma sociedade que ainda não se pacificou, que olha para eles acusando, julgando. “Eu explico aos reclusos que é importante e necessário reconciliar-se com a comunidade”, diz o Pe. Ngoboka. Esta é uma tarefa difícil, que obriga a muita paciência, a muito diálogo. “É realmente um processo de acompanhamento dos presos, mas também da comunidade para a qual vão regressar, para caminhar juntos no sentido da reconciliação. Antes de mais – diz o sacerdote – preparamos os presos para a necessidade de pedir perdão.” Neste delicado processo, a Igreja funciona como intermediário entre os presos e os sobreviventes e suas famílias.

Emoções fortes

O processo de reconciliação passa por os reclusos escreverem uma carta a todas as pessoas a quem sentem que têm de pedir perdão. Há um pedido de perdão e o compromisso também de que se está preparado para viver em harmonia com a comunidade. A direcção da prisão autentica as cartas que são depois entregues às famílias dos sobreviventes pelos padres ou voluntários. E assim se faz o processo, incentivando-se um encontro na prisão entre as famílias das vítimas e o agressor agora arrependido. “Uma vez por mês organizamos estas visitas com os serviços sociais da prisão. As emoções são fortes”, relata o sacerdote. “Depois, se o perdão for dado e aceite, temos de o levar até aos membros da família. O perdão deve relacionar-se com a família, tanto a família do sobrevivente como a família do preso”, acrescenta, explicando ainda que “a fé desempenha um papel fundamental no processo de perdão”. São necessários todos estes passos. O perdão exige muito trabalho. “As feridas ainda são sensíveis, mesmo 29 anos depois…” Seja como for, nada disto seria possível sem a ajuda da Igreja. Para o Pe. Ngoboka, “o perdão é um milagre, um dom de Deus… quando se ouve falar em todas as atrocidades cometidas… o perdão é um poder dado por Deus”. Todo este trabalho tem o apoio directo da Fundação AIS através do financiamento de um programa de formação para 120 sacerdotes, religiosos e religiosas em três dioceses, para que possam compreender o trauma, as técnicas de escuta activa e o acompanhamento espiritual para a resiliência da comunidade.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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