A cruz escondida

Religiosa italiana assassinada em ataque terrorista em Moçambique

A última mensagem

Maria de Coppi tinha 83 anos e uma vida inteira dedicada a Moçambique. Foi assassinada, há três semanas, com um tiro na cabeça, no brutal ataque terrorista à missão de Chipene, onde vivia. Horas antes de se terem escutado os primeiros tiros, ela enviava ao telefone, para Itália, uma mensagem a uma sobrinha. Uma mensagem que diz muito sobre o ambiente de medo que se vive em Moçambique, mas que também ajuda a fazer o retrato desta irmã, desta mártir da Igreja…

A Irmã Maria de Coppi foi assassinada com um tiro na cabeça na noite de terça-feira, 6 de Setembro, na sequência de um brutal ataque terrorista à missão de Chipene, na diocese de Nacala, em Moçambique. Foi terrível. Os terroristas deixaram atrás de si um enorme rasto de destruição. Todos os edifícios foram incendiados. A igreja, as salas de aula, os internatos para rapazes e raparigas, o centro de saúde, os automóveis… Nada escapou. Quando se escutaram os primeiros tiros, todos procuraram fugir, escondendo-se nas matas. A irmã italiana, ao tentar aproximar-se dos dormitórios, para proteger as crianças que ainda por lá se encontrassem, foi barrada pelos terroristas que a mataram com um tiro na cabeça. Horas depois, o grupo jihadista Daesh reivindicaria o ataque. Numa mensagem, os terroristas justificaram o assassinato da irmã por ela estar “comprometida com a disseminação do cristianismo”. O ataque à missão comboniana de Chipene provocou um sobressalto nas populações. De um dia para o outro, as aldeias ficaram vazias, com as pessoas, assustadas, a procurar abrigo nas principais cidades, Nampula e Nacala. É neste contexto de ansiedade que a Irmã Maria de Coppi enviou a mensagem, pelo telefone, para Itália, para uma sobrinha, Gabriella Bottani, também ela religiosa comboniana. Essas palavras, as suas últimas palavras, retratam um ambiente de medo e de angústia pela presença na região de grupos terroristas, mas também mostram uma serenidade extraordinária nesta mulher de 83 anos de idade que dedicou mais de cinco décadas a ajudar o povo de Moçambique. “Olá, Gabriella, boa noite. Queria apenas dizer-te que aqui a situação em Chipene não é boa. Há muita tensão e parece que aquele grupo a que chamam Al Shabaab, os insurgentes, atacaram na sexta-feira um lugar na nossa paróquia e parece que há um grupo que está aqui bastante próximo…” A irmã fala com uma voz pausada, serena, apesar de saber que, nas imediações da missão estarão homens armados, terroristas. Ela própria refere isso à sobrinha: “Parece que estão armados, que já raptaram umas pessoas e mataram outras. Por onde passam massacram. Toda a população está a deslocar-se, está a fugir”.

 

“Situação muito triste…”

Em pouco mais de dois minutos, Maria de Coppi procura dar o máximo de informação possível à sua sobrinha. “A situação é triste, muito triste. Toda a gente dorme fora, no mato, na floresta…” São famílias, pais e filhos com trouxa à cabeça, procurando salvar algumas coisas. A irmã fala em “crianças que choram porque não aguentam mais caminhar” e diz que as aldeias, algumas mesmo importantes, estavam já sem ninguém, como se fossem lugares fantasma. A gravação termina com um pedido da tia para a sobrinha: “reza por nós, que o Senhor nos proteja e proteja também este povo”. Pouco depois, escutaram-se os primeiros tiros, os gritos das pessoas em fuga. Os terroristas tinham entrado em Chipene. Minutos após ter gravado a chamada telefónica para Itália, a irmã seria baleada cobardemente na cabeça por um terrorista.  Tinha 83 anos. Para trás, ficaram mais de cinco décadas em terras moçambicanas. Os primeiros ataques terroristas aconteceram no norte do país, em Cabo Delgado, no início de Outubro de 2017. Agora, cinco anos depois, a violência chega à província de Nampula. O balanço destes cinco anos não podia ser mais trágico: há cerca de 4 mil mortos e mais de 800 mil deslocados. A Irmã Maria de Coppi é mais uma mártir desta guerra não-declarada que se vive em Moçambique.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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