A cruz escondida

O sonho de um jovem que se deixou contaminar pelo amor de Deus

Médico das almas

Jean-Claude Fiston vive na República Democrática do Congo, país que o Papa Francisco vai visitar daqui a um mês. Desde criança que sonhava ser sacerdote, via-se a imitar os padres que visitavam a sua paróquia, mas agora quer ser como eles. Ainda chegou a querer ser médico, mas descobriu que a sua vocação está mesmo no serviço aos outros, aos mais pobres, às vítimas da violência, aos que são abandonados pela sociedade.

Nasceu em Goma, na República Democrática do Congo, numa família verdadeiramente numerosa. São dez irmãos. Nove rapazes e uma menina. É uma família simples, diz, frente a uma câmara de filmar da Fundação AIS. Jean-Claude mostra-nos os cantos da casa onde vive agora. O Seminário maior de Teologia João Paulo II, em Kinshasa, é o lar de dezenas de jovens como ele. Todos ali sonham com o dia em que serão ordenados sacerdotes para serem enviados em missão, para servir a comunidade. Ser cristão na República Democrática do Congo é exigente. O país é uma contradição. Muito rico, excepcionalmente rico em matérias-primas, ouro, diamantes, até o coltan, agora tão necessário para a produção de telemóveis… tudo isso há em abundância no subsolo deste enorme país africano. Mas o povo vive numa pobreza desarmante, numa miséria que choca, que envergonha. A ganância pelas riquezas da República Democrática do Congo conduziu o país a um estado de permanente sobressalto, com grupos armados, exércitos de malfeitores, populações sequestradas pela violência.

Tempos muito duros

É neste país muito rico onde vivem pessoas muito pobres que Jean-Claude Fiston quer ser sacerdote. Ele irá para onde o enviarem, mas é ali, junto aos seus, que se sente em casa. Como no seminário, onde recebeu a equipa da Fundação AIS. Tem um olhar tímido e uma voz serena. Fala pausadamente, como se estivesse a mastigar as palavras, a pensar nelas antes de as dizer. “Desde criança que sentia o desejo de ser padre. Sentia-me atraído pelos missionários da minha paróquia. Por vezes, penso que deixei uma grande oportunidade para trás. Também sonhava em ser médico.” Sonhava, mas Deus tinha outros planos para ele. Com a generosidade que abunda normalmente nos jovens, Jean-Claude já se imagina a percorrer caminhos de terra na sua bicicleta, entre o verde esfusiante da floresta, rumo às aldeias, ao encontro das pessoas que precisem de ajuda, de conforto, de carinho. De esperança. Jean-Claude sabe bem que o país que o Santo Padre vai visitar vive um tempo muito duro, marcado pela violência, por vezes brutal, de grupos armados que são verdadeiros exércitos de malfeitores, mas também de conflitos tribais alimentados pelo sonho de uma riqueza fácil que apenas tem trazido mais miséria e sofrimento à esmagadora maioria da população.

Serviço aos outros

É neste país cheio de contrastes que Jean-Claude quer ser padre. “Foi a melhor escolha que fiz”, diz, como que a explicar a descoberta da sua vocação. “Deus”, acrescenta, “envia-nos para onde quer e nós só temos de nos deixar transformar. Foi neste sentido que eu me deixei transformar por Ele…” Deixou-se contagiar pelo amor. Agora é um dos 7654 seminaristas apoiados pela Fundação AIS só no continente africano. O futuro que o espera não é fácil, mas Jean-Claude não desarma perante as dificuldades. A fé também explica a coragem. “Esta região enfrenta diversos problemas que estão relacionados com várias rebeliões que provocam guerras e grande pobreza que tantos sentem por aqui”, diz, olhando meio distraído para a câmara de filmar. “Eu gostaria de ser padre para levar consolação aos que sofrem com estas feridas, para anunciar a esperança àqueles que perderam tudo…” Jean-Claude chegou a sonhar em ser médico, mas descobriu que a sua vocação está no serviço aos outros, aos mais pobres, às vítimas da violência, aos que são abandonadas pela sociedade. E na República Democrática do Congo não faltam pessoas que precisem de ajuda… Hoje, agradece ter sido contagiado pela vocação para o sacerdócio. “A vocação é um mistério, a vocação vem de Deus. É o projecto de Deus!”

Paulo Aido

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