A cruz escondida

Irmã Haguinta Muradian viveu a guerra no enclave de Nagorno-Karabakh

“Chorámos todos os dias…”

A guerra que opôs, no final de Setembro de 2020, a Arménia ao Azerbaijão no enclave de Nagorno-Karabakh, durou menos de dois meses, mas provocou um profundo rasto de sangue e morte. Calcula-se que tenham perdido a vida mais de cinco mil pessoas e grande parte da população viu-se forçada a fugir. Agora, num encontro promovido pela Fundação AIS em França, a Ir. Haguinta Muradian recorda o sofrimento desses dias tão duros…

A Ir. Haguinta Muradian, a viver na Arménia há mais de três décadas, participou este ano em mais uma edição da Noite dos Testemunhos, uma iniciativa do secretariado francês da Fundação AIS, e trouxe consigo a memória dos 44 dias dolorosos, entre Setembro e Outubro de 2020, em que a comunidade cristã de Artsakh, território também conhecido como Nagorno-Karabakh, sofreu uma humilhante derrota face ao exército do Azerbeijão.  Esta religiosa, que pertence à congregação das Irmãs Arménias Católicas da Imaculada Conceição, falou sobre “a dura realidade” de uma guerra que não poupou ninguém, nem sequer os civis. Mais de 120 mil pessoas fugiram das suas casas, muitas procurando abrigo na Arménia. O apoio a essas famílias passou a ser uma prioridade para as irmãs, que desenvolvem neste pequeno país um dos primeiros do mundo a assumir o Cristianismo como religião oficial, um trabalho notável junto de crianças órfãs e idosos. A casa de Tashir, no norte da Arménia, onde vive actualmente a Ir. Haguinta Muradian, foi adaptada para receber pessoas fugidas da guerra, especialmente “crianças e mães cujos maridos e filhos estavam a combater na fronteira”. A irmã recorda com nitidez como todos se acolhiam na capela para rezar, a tal ponto que “só se ouvia o som das contas do terço a deslizar entre os dedinhos inocentes das crianças, com lágrimas silenciosas a correr pelos seus rostos…” O relato da irmã permite imaginar o sofrimento de quem sabia que familiares e amigos estavam na guerra, que a qualquer momento podiam ser feridos ou mesmo mortos, como aconteceu, aliás, com um jovem, aluno das irmãs, de apenas 19 anos de idade, que “morreu heroicamente” em combate.

Luto e lágrimas

Foi um tempo de provação. “Chorámos todos os dias, foram 44 dias muito duros”, explicou a irmã na iniciativa da Fundação AIS de França.  “Juntamente com as crianças dos centros de Gyumri e Tashir, queríamos ajudar os soldados que conhecíamos, escrevendo-lhes cartas de encorajamento e preparando para eles roupas quentes, meias tricotadas pelas irmãs e prometendo-lhes as nossas orações todos os dias. As crianças ficaram entusiasmadas e eu recebi um vídeo da linha da frente onde podíamos ver os soldados a abrir os seus embrulhos. Quando mostrei o vídeo às crianças, elas ficaram muito comovidas e nós também…”, recordou ainda a religiosa. O balanço da guerra foi muito duro para a comunidade cristã. Havia muitos jovens. Calcula-se que terão morrido mais de 3800 soldados com 18 e 19 anos de idade. E mais 2100 estão ainda dados como desaparecidos. “Morreram heroicamente, deixando as suas mães de luto e em lágrimas amargas”, disse a irmã, não escondendo a comoção. As consequências da guerra não terminaram com o fim das hostilidades. São feridas ainda abertas. “Após o cessar-fogo, muitas famílias regressaram a Artsakh e encontraram as suas casas destruídas. Algumas famílias optaram mesmo por incendiar a sua própria casa antes de fugir, o que revela quão profundos eram o seu sofrimento e angústia”, relata a religiosa. “Hoje, continuamos a apoiar as famílias deslocadas das regiões de Artsakh ocupadas pelo Azerbaijão até que se encontre uma solução permanente para elas terem o seu lar”, disse ainda a Ir. Muradian, pedindo as nossas orações por este país. O apoio às famílias cristãs que perderam tudo na guerra é uma das prioridades da Fundação AIS. Vamos ajudar a Ir. Haguinta na sua missão?

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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