A cruz escondida

Assassinato de cristão no Sinai está a assustar a comunidade no Egipto

Regresso do medo

A execução de um empresário cristão sequestrado em Novembro do ano passado por jihadistas na região do Sinai, no Egipto, está a trazer de volta o receio de uma nova onda de violência contra esta pequena comunidade religiosa. A família está destroçada. Nabil Habshi foi assassinado, segundo os terroristas, por ter financiado a construção de uma igreja na sua cidade, Bir Al-Abd…

Ajoelhado na areia inconfundível do deserto, com as mãos juntas sobre as pernas, vestindo um blusão castanho claro com o fecho todo corrido, Nabil Habshi está prestes a ser fuzilado. Atrás deles estão três carrascos. Todos com metralhadoras. São jihadistas do Daesh. A imagem é apenas um “frame” da sequência mórbida do assassinato deste homem cujo vídeo foi divulgado há algumas semanas nas redes sociais. A execução deste cristão de 62 anos a tiros de kalashnikov faz parte da propaganda terrorista no Egipto. O auto-proclamado Estado Islâmico reivindicou o crime acusando o empresário de ter contribuído financeiramente para a construção da única igreja existente na sua cidade de Bir Al-Abd, um templo dedicado a Nossa Senhora de Anba Karras. A família não tinha qualquer notícia de Nabil desde que o empresário havia sido sequestrado, a 8 de Novembro do ano passado, perto de casa. Desde esse que a família vivia numa angústia total. No entanto, a falta de notícias permitia alimentar toda a esperança. Uma esperança que ruiu de forma dramática ao fim de 160 dias quando o Daesh publicou o vídeo da sua execução. Nabil Habshi é já considerado um mártir. A Igreja copta descreve-o como “um servo fiel” que deu “testemunho da sua fé até ao sacrifício de sangue”.

 

Memórias dolorosas

A morte trágica de Nabil Habshi vem recordar o caso de Adeeb Nakhla, outro cristão vítima também de grupos jihadistas na região do Sinai. Desde Janeiro de 2019 que não há notícias deste ortodoxo copta raptado pelo Daesh. Nakhla, de 55 anos, viajava num pequeno autocarro de Ismailia para Al-Arish quando militantes daquele grupo terrorista forçaram a paragem da viatura para fiscalizarem os documentos de todos os passageiros. No Bilhete de Identidade no Egipto vem referida a religião do seu portador. Nakhla não teve forma de esconder que era cristão. Foi mandado sair do autocarro. Até hoje, não se sabe mais o que lhe aconteceu… Os raptos de cristãos nesta região do Egipto despertam memórias dolorosas. Nos últimos anos, têm-se sucedido ataques e atentados contra esta comunidade religiosa que não representa mais de 10 por cento de toda a população do país. Apesar de ser tão minoritária é particularmente perseguida. Ninguém consegue esquecer, por exemplo, os ataques terroristas de Domingo de Ramos de 2017 que causaram 44 mortos e mais de 100 feridos, ou as emboscadas a peregrinos para o Mosteiro de São Samuel, o Confessor, em 2017 e 2018, e que causaram mais de três dezenas de vítimas mortais. O norte do Sinai continua a ser muito problemático para a comunidade cristã, mesmo após as operações do exército contra os grupos jihadistas que operam com relativa facilidade nesta região. No Relatório da Fundação AIS constata-se que “a tolerância para com os cristãos continua a ser reduzida” em todo o Alto Egipto, com “inúmeros incidentes” que confirmam, pode ler-se no documento, “que a violência pode irromper a qualquer momento”. Para a família de Nabil Habshi, esse momento, infelizmente, já aconteceu.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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