Explosão no porto de Beirute atingiu bairro cristão de Achrafieh
Apocalipse em Beirute
Já passou cerca de um mês, mas parece ter sido ontem apenas. A região portuária da capital libanesa ficou praticamente destruída com uma brutal explosão que atingiu fortemente o bairro de Achrafieh. Para a comunidade cristã, estes são tempos de desolação, desespero e medo.
A Irmã Maria Lúcia Ferreira vive perto do Líbano, num mosteiro em Qara, na Síria. Mas uma equipa do seu mosteiro, que pertence à Congregação das Monjas de Unidade de Antioquia, estava muito perto de Beirute no dia 4 de Agosto, quando uma brutal explosão destruiu quase por completo a zona portuária da cidade. A cerca de 30 quilómetros da capital libanesa, além da madre superiora estava a Irmã Carmen. Maria Lúcia Ferreira descreveu à Fundação AIS o que ela sentiu. “Apesar de estarem a cerca de 30 quilómetros de Beirute, nas montanhas que fazem face à cidade, as irmãs sentiram muito bem a explosão, a ponto de a Irmã Carmen, que estava a cultivar a sua horta, ter sentido uma espécie de vento, um sopro que quase a fez cair por terra”, explica a religiosa portuguesa.
Cenário de destruição
De facto, a explosão ocorrida a 4 de Agosto, e que provocou mais de 200 mortos e mais de 6500 feridos, atingiu fortemente o bairro cristão de Achrafieh. A religiosa, mais conhecida como Irmã Myri, explica que o bairro, “habitado na sua maioria por cristãos”, já tinha sido bastante flagelado nos tempos da guerra, mas nada que se pode comparar com a devastação em que se encontra agora. Quase um mês depois, o cenário de destruição permanece quase inalterável. “As casas que não estão destruídas têm os vidros partidos, e [importa] dizer que nessa região de Beirute, reconstruida depois da guerra, há muitos edifícios novos cujas paredes são envidraçadas. Então, as paredes das casas ficaram destruídas. Não só os vidros mas também portas e electrodomésticos. Tudo ficou estragado.” A Irmã Myri diz ainda que há muitas famílias que ainda aguardam pela possibilidade de poderem colocar de novo portas e janelas nas suas casas de forma a poderem habitá-las de novo “sem medo de assaltos e roubos”.
Crise que se agrava
O Líbano vive uma das mais profundas crises económicas e políticas da sua história, com uma desvalorização gigantesca da sua moeda, a paralisia do sistema bancária, desemprego e mesmo fome. Esta situação, já de si tão difícil, agravou-se profundamente com a brutal explosão que sacudiu a cidade de Beirute e isso tem repercussões entre a comunidade cristã. De facto, a crise económica, que parecer não ter solução à vista, tem levado muitas famílias a fazerem as malas rumo a outros países onde possam encontrar trabalho que ofereça uma vida com um mínimo de dignidade. São pessoas para quem a emigração aparenta ser a única porta de saída. Ninguém sabe como vai ser o futuro dos habitantes de Achrafieh, constituído, como lembra a Irmã Myri, por “cristãos resistentes, que não emigraram, que ficaram no Líbano apesar de tudo”.
Sinais encorajadores
Estes são tempos extremamente difíceis, havendo até quem esteja a tentar lucrar com esta crise, comprando as casas dos cristãos a preços de saldo. Mas, apesar de tantas dificuldades, há sinais encorajadores. Monsenhor Toufic Bou-Hadir diz que, “várias pessoas idosas, e também mais jovens, continuam alojadas nas suas casas, mesmo nas que estão danificadas”. E explica que ficar no Líbano, continuar a viver no bairro cristão é algo de muito valioso. “Com todo o respeito pelas pessoas que têm outras crenças religiosas, não podemos vender casas cristãs a outras pessoas. Não queremos mudar a demografia. A terra não tem apenas valor material. É a nossa dignidade; é onde se encontram as nossas raízes.”
Monsenhor Bou-Hair, director da Comissão Patriarcar Maronita para a Juventude, elogiou a resposta, quase imediata dos jovens cristãos que se voluntariaram para as operações de limpeza das ruas e das casas, e fornecendo mantimentos de emergência para as famílias em maior dificuldade. Também a Fundação AIS se mobilizou de imediato em socorro da comunidade cristã. Perante a tragédia que atingiu tão fortemente a cidade de Beirute, a Fundação AIS decidiu logo nas horas seguintes à explosão enviar uma ajuda de emergência no valor de 250 mil euros, verba destinada, essencialmente, à “aquisição de cabazes alimentares”.
Paulo Aido