A Constituição Europeia

Pormenores de uma Polémica O próximo alargamento da União Europeia para vinte e cinco países trouxe para cima da mesa a “questão de sempre” da Europa: o seu modelo de governo. Se até agora era relativamente fácil continuar a sustentar a representatividade rotativa da União, com o alargamento, este modelo está falido. Para “inventar o futuro”, foi criado um órgão que controlou os trabalhos da elaboração de um estudo prévio de uma Constituição europeia. Os artigos do projecto constitucional sobre o equilíbrio das instituições, que por enquanto é apenas uma proposta, resultam do plenário da Convenção que decorreu no final de Janeiro. Marcado por um documento franco-alemão que propôs uma presidência permanente do Conselho Europeu, bem como a eleição do Presidente da Comissão, o plenário de Janeiro mostrou fortes divisões entre representantes de países grandes e médios, apesar de ter havido pontos comuns. As questões em vias de se tomarem consensuais apontam para o reforço da política externa e do respectivo representante europeu, além da importância de dar maior legitimidade democrática à Comissão, o que cria o problema da forma de escolha desta figura. O tema principal agendado no plenário, a vertente social da Europa, é menos problemático, surgindo provavelmente alguma divisão entre os que desejam uma Constituição com maior número de artigos sociais e aqueles que querem menor peso para esta vertente. No texto proposto como Preâmbulo deste Tratado Constitucional, encontramos uma das mais acesas polémicas, nomeadamente a questão da ausência de uma referência explícita ao Cristianismo. A polémica sobre a necessidade ou não de um texto constitucional esvazia-se de qualquer sentido sem ter em conta as conclusões da Conferência Inter Governamental de Laeken. Na declaração sobre o futuro da União colocou-se a questão de saber se a simplificação e redistribuição dos Tratados não deveriam conduzir à adopção de um texto constitucional, perguntando-se sobre quais seriam os valores que a União professa, sobre os direitos fundamentais dos cidadãos e as relações entre os Estados membros dentro da UE. Embora se possa intuir um certo optimismo em todo este processo, o que é verdade é que em Laeken se enfrentou o problema da viabilidade do projecto europeu. Este é o momento de encruzilhada no qual se irão definir os parâmetros de uma nova Europa. Que método seguir? Não existem fórmulas mágicas. Seja qual for o caminho, ele terá de passar por um processo de consciencialização europeia. A grande dificuldade é a de fazer chegar o seu móbil ao cidadão comum, fazendo-o identificar-se com os valores básicos da União. Até ao momento este objectivo ainda é uma quimera, o que faz com que exista um conflito real entre o sentimento nacionalista e o sentimento europeu. Para este afastamento dos cidadãos europeus muito contribuiu a visão tecnocrata e economicista de Bruxelas. A correlação entre a economia e a construção europeia é bem visível no crescimento da tendência eurocrítica. O recente “não” da Suécia ao euro e o assassinato da ministra dos negócios estrangeiros são disto sinais bem reveladores. Os países economicamente mais fortes deixam de ter ilusões quanto a este projecto. Alguns estudiosos não têm receio em afirmar que este método não é nada mais que uma “fuga para a frente”. Não conseguindo resolver alguns problemas reais, como a representação democrática, a defesa comum, a política agrícola, etc., os europeus inventaram esta forma de “narcotizar” a realidade europeia. Existe uma tendência por parte dos políticos para se refugiarem no direito quando não conseguem resolver os problemas dos povos. Neste quadro, podemos dizer que, apesar do que nos querem fazer pensar, ainda não estamos preparados para este passo de gigante. A homogeneização constitucional. Este é um dos aspectos a ter em conta em todo o processo. Existe uma necessidade de fazer com que os Estados membros, quer internamente quer externamente, se rejam pelo mesmo quadro institucional. Como facilmente podemos observar, este pressuposto essencial de homogeneização é um alicerce capital para a consecução do fito de uma “Constituição europeia”. A homogeneização não é apenas um aspecto jurídico, mas enlaça-se com a necessidade de um entrosamento de toda a “vida” da União. Para dissolver a dificuldade de engrenagem na Europa, irrompe o “princípio de subsidiariedade” entre os Estados membros. Por este princípio pretende-se encontrar a forma de dirimir o “défice democrático” que com o alargamento se irá agudizar. A discussão sobre o caminho a seguir debate-se com um dilema existencial: saber onde termina a autonomia dos Estados membros e onde começa a integração. A resposta que a Europa dá ao “cepticismo nacionalista” é a convicção de que o processo de integração há-de conduzir a algo completamente novo nas quais as funções de um “Estado” serão conseguidas sem o aniquilamento dos “Estados nacionais”. Pese embora todos os sinais de perda de uma certa independência nacional, verifica-se que o objectivo é o de conciliar integração e autonomia. É neste panorama que vislumbramos o sistema constitucional europeu, no qual se projecta a nova constituição. Para que este “sistema” possa funcionar é necessário ter em conta que: a) Não se pode esperar uma organização supranacional igual à que conhecemos nos Estados constitucionais; b) Não existe uma solução universal e mágica para resolver o “défice democrático” na Europa. A Constituição ao simplificar os Tratados pode trazer uma melhor distribuição de competências entre a União e os Estados membros. Em resumo, a hodierna controvérsia oscila entre assentir um modelo constitucional mais “extenso” ou mais “restritivo”. Falar de Constituição para a Europa é falar de discussões acaloradas dos seus mais variados aspectos. Basicamente, podemos sintetizar a aceitação do texto constitucional como uma exigência da própria democracia, do Estado de Direito e do respeito pelos direitos humanos: os Estados membros só podem transferir competências para a União Europeia se esta obedecer às exigências do princípio do Estado de Direito. Podemos compendiar em dois pontos a negação da possibilidade de uma Constituição: por um lado, a imagem rígida e monolítica do próprio conceito; por outro lado a sua representação quase mitológica que a converte na panaceia de todos os problemas e a associa ao federalismo. Como corolário desta problemática está a forma de como se deve aprovar este texto. Mesmo tendo presente todas as dificuldades de daí podem advir, o referendo surge assim como a exigência de contornar um processo que começou de uma forma pouco democrática. A questão dos direitos humanos, é uma das principais preocupações dos cidadãos europeus. Se associarmos este dado ao background que animou a criação da União europeia, temos justificada a necessidade da inclusão da Carta dos Direitos Fundamentais no texto constitucional. Esta inserção faz com que entre os valores que regem a UE possa estar a justiça social, a solidariedade e a igualdade. Ao mesmo tempo, este gesto dá-lhe uma força vinculante sem comparações. Aspecto não menos importante é o da normatividade destes direitos, possibilitando a existência de um “standard máximo” que fará com que a sua aplicação seja uma realidade que embora integrando os ditames nacionais, os supere tornando-os mais extensos e completos. O que pode ser um problema, deste modo, converter-se num benefício de características excepcionais. A polémica da inclusão das referências ao Cristianismo conecta com um panorama axiológico do projecto europeu. Podem ser feitas várias leituras sobre este assunto segundo os interesses e as orientações filosófico-religiosas dos intervenientes. O mais importante é ter em conta que esta polémica não se prende (como às vezes se pode interpretar) com a inclusão ou não no preâmbulo da Constituição de alusões ao Cristianismo. Daquilo que se está a problematizar são os próprios fundamentos dos valores da Europa, que, embora não exclusivamente, têm uma matriz cristã. A importância do texto proposto por Valéry Giscard d’Estaing não mencionar o Cristianismo não pode ser visto numa perspectiva gramatical ou filológica. O problema está no seu molde exageradamente jacobino, o qual, em nome da sua coerência interna, impede qualquer referência ao Cristianismo. As Igrejas, em especial a Igreja católica, de imediato encenaram um grupo de pressão para que este modelo de Constituição não fosse seguido pelos chefes de Estado. Ao longo dos últimos meses, multiplicaram-se as iniciativas nesse sentido, contribuindo assim para a consolidação de uma opinião pública favorável a este intento. Gestos como a Convenção dos Cristãos para a Europa ou o Colóquio “Deus e a Europa, um legado fundador”; das associações “Papaboys”, “Cultura Cattolica” e “Strano Cristiano”, ou as diligências da COMECE, são exemplos bem reveladores. Por seu lado, o Papa João Paulo II tem feito desta problemática o centro das suas atenções, ao ponto de muitos a interpretarem como uma das sua derradeiras batalhas. Na Exortação apostólica “Ecclesia in Europa” encontra-se condensada a sua perspectiva sobre o futuro da União, depois da filtragem feita às conclusões dos Sínodos dos bispos de 1991 e 1999. Neste documento a relação da Igreja com a Europa não é interpretada como um regresso ao “Estado confessional”, mas também é recusado um laicismo ou separação hostil. A terceira via passa por uma sã cooperação entre Estado e Cristianismo. A Europa precisa de dar um salto qualitativo na tomada de consciência da sua herança espiritual. A tese central deste texto resume-se no apelo do Santo Padre: “Não temas! O Evangelho não é contra ti, mas a teu favor”. Pe. Bartolomeu, Autor de “A Constituição Europeia. Pormenores de uma Polémica”

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