A comunhão é um patamar para a unidade

D. António Luciano, Bispo de Viseu

Foto: Agência ECCLESIA/PR

Todos desejamos viver a vida em mistério de comunhão e sonhamos criar relações fortes, que sejam expressão da tão almejada unidade entre todos os cristãos.

O caminho ecuménico procura propor, a todos os que acreditam em Cristo, uma via espiritual de comunhão e de unidade entre todos os cristãos de modo que a Igreja apareça ao mundo como sinal de comunhão, de unidade e de paz.

As experiências ecuménicas devem assentar numa fé teologal e na palavra de Deus que gera vida nova nos cristãos, apelando a todas as pessoas de boa vontade para construírem a unidade na diversidade de dons.

A comunhão com Deus cria uma relação sadia e equilibrada, assente na escuta, na aceitação, no diálogo, na oração, na pregação, na vida pastoral e no testemunho ecuménico.

A riqueza e a beleza semântica das palavras comunhão e unidade na literatura, na teologia, na espiritualidade, na liturgia e na pastoral prática são fundamentais para relação eclesial vivida pelos cristãos, mas difíceis de conjugar na vida concreta das pessoas e nas relações interpessoais e comunitárias.

A vida da Santíssima Trindade, mistério de comunhão, fonte de graça e dom de unidade, é geradora de relações novas na vida dos cristãos. Busquemos a infinita sabedoria e comunguemos do amor de comunhão que circula entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo na unicidade de um único Deus revelado em três pessoas divinas.  A paternidade e o cuidado de Deus que governa e rege todo o universo expressa-se na diversidade dos dons espirituais.

O verdadeiro dom da unidade dos cristãos encontra o seu fundamento na verdadeira fé em Cristo, revelador da Trindade, num só Batismo, na mesma palavra, na vivência de uma só doutrina e no testemunho dos costumes.

O diálogo ecuménico, proposto pela igreja, é um processo eclesial que promove o encontro e o diálogo saudável, enquanto caminho para educar para a fé e formar para a tolerância religiosa e criar uma pastoral de proximidade com todos os cristãos.

O tema da unidade entre os cristãos e as suas comunidades deve ser vivido em cada dia, mas a Igreja propõe todos os anos a Semana de Oração Pela Unidade dos Cristãos, entres os dias 18 e 25 de janeiro, festa litúrgica da conversão do apóstolo São Paulo.

Durante esta semana, os fiéis são convidados a rezar pela unidade de todos os cristãos que acreditam em Cristo para que, através do diálogo, da oração e de celebrações, se reúnam para pedir a Deus por todos os crentes e dispersos pelas religiões (católicos, ortodoxos, protestantes e anglicanos) para que juntos possam fazer um caminho de diálogo e oração.

Com a escuta da palavra de Deus, há o desejo de viver a mesma fé no Credo, num único Batismo que nos faz filhos do mesmo Deus na diversidade de dons e de serviços, tendo como meta as palavras do Senhor, para “que todos sejam um”.

O caminho da unidade dos cristãos desafia todos os que acreditam em Cristo a privilegiar o diálogo como meio favorável de celebrar a fé e a esperança, já que na diversidade de dons e carismas Deus se revela para o maior bem da comunidade. Só na busca da verdade na caridade alcançaremos a verdadeira unidade tão pedida por Jesus.

A Igreja deve, cada vez mais, se abrir ao mistério de Deus e propor este caminho aos fiéis e fazer da comunhão com Deus, fonte de vida, mistério de graça e fonte de unidade, o verdadeiro caminho espiritual e pastoral para o Ecumenismo.

É digno de nota que Jesus, na sua pregação, tenha insistido tanto na dimensão do amor que devemos ter para com deus e com os irmãos. Na verdade, só pode amar quem primeiro se deixa amar pelo Senhor. O amor vive-se, partilha-se e deve dar frutos abundantes. Por isso, a insistência de Jesus para com os seus discípulos: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.                                                                                                                                    Vós sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos mando”.

Sem amor não há amizade e sem acolhimento e aceitação do outro como Ele é, não há relação possível, sem abertura e diálogo não há unidade sincera.

Unidade implica aceitar o outro como ele é na diversidade do seu ser e nas diferenças que possui. A unidade é o fruto do contributo da partilha da diversidade de todos para a construção de um todo que é um dom do Espírito Santo para os que vivem em comunidade.

A Igreja é formada por todos batizados que celebram e vivem em comum a fé, praticam a caridade e constroem na esperança a unidade pela graça do Espírito.

A Semana de oração pela unidade dos cristãos tem este ano o seguinte tema. “Crês nisso?”.

Não podemos entender a verdadeira unidade dos cristãos e o caminho a percorrer como Igreja se não formos capazes de perder tantas coisas. Que mesmo sendo lícitas e aparentemente boas podem impedir os desafios para construir a unidade.

Alguns pontos a privilegiar para vivermos a comunhão e a sinodalidade, em fraternidade, na unidade e com participação mais visível na missão da Igreja. “Todos nós formamos um só Corpo em Cristo Jesus”.

A vivência da unidade só é possível a partir de determinadas atitudes:

  1. Abertura ao diálogo com todos os cristãos, a começar pelas nossas comunidades, com outras confissões religiosas para construir a comunhão e a unidade.
  2. Acolher e aceitar o outro tal como ele é, na diversidade e circunstâncias da vida.
  3. Dialogar com todos aceitando as diferenças dos outros.
  4. Cultivar um espírito de tolerância aceitando as diferenças e o modo de ver os acontecimentos.
  5. Olhar para o outro com o rosto de Jesus Cristo e procurar saber quem ele é, o que faz e como podemos caminhar juntos.
  6. Valorizar o diálogo ecuménico nas comunidades e entre as diversas religiões.
  7. Fazer um caminho juntos valorizando a unidade na diversidade daqueles que escolhem a via da opção pela paz.

 

A fé em Cristo é a Ancora indispensável para o diálogo entre cristãos e a motivação da razão e do coração para construir a paz.

Jesus antes da última ceia, como nos relata o Evangelista São João, rezou ao pai a pedir o dom da unidade de todos os seus discípulos. Jesus conhece as nossas limitações e quer-nos unidos a Ele, formando um só corpo, como simboliza a sua túnica que não foi repartida. Também a Igreja se deve manter unida para ser sinal de comunhão no mundo.

O tema da unidade dos cristãos torna-se pertinente logo depois da ressurreição de Jesus entre os discípulos, surgindo vários grupos e divisões entre os seguidores dos apóstolos e discípulos.

No ano 1700 celebrou-se o primeiro Concílio Ecuménico de Niceia, hoje atual Turquia, que ocorreu no “início da liberdade de culto no Império Romano, num esforço por encontrarem os temas e conceitos centrais da fé cristã e ultrapassarem as divisões e conflitos que existiam”.

As principais divisões entre as igrejas cristãs o correram no século V.

Depois do Concílio de Éfeso e de Calcedónia (igreja copta no Egito e outras igrejas).

No século XI cisão entre o ocidente e o oriente (igreja ortodoxa), no século XVI com a reforma protestante e depois a separação da igreja de Inglaterra, igreja anglicana.

A chamada semana de “oitavário pela unidade da Igreja” teve início em 1908 por iniciativa do norte americano Paul Wattson presbítero anglicano, que mais tarde se converteu ao catolicismo.

“Entre os frutos mais significativos do Sínodo 2021-2024 esta a intensidade do impulso ecuménico” (137).

A Assembleia Sinodal refletiu sobre o tema do ecumenismo e a riqueza, representada pelos Delegados fraternos de outras igrejas e comunhões cristãs na Assembleia Sinodal, convidam-nos a prestar mais atenção às práticas sinodais dos nossos parceiros ecuménicos, tanto no Oriente como no Ocidente.

“O diálogo ecuménico é fundamental para desenvolver a compreensão da sinodalidade e na unidade da Igreja. Leva-nos a imaginar práticas sinodais e ecuménicas e até mesmo formas de consulta e discernimento sobre assuntos de interesse comum e urgente, como poderia ser a celebração de um sínodo ecuménico sobre a Evangelização. Convida-nos também a prestar contas uns aos outros pelo que somos, pelo que fazemos e pelo que ensinamos. Na raiz desta possibilidade está o facto de estarmos unidos no único batismo, do qual brota  a identidade do povo de Deus e o dinamismo de comunhão, participação e missão. (138)

Façamos este caminho de compromisso com a unidade dos cristãos antes de mais nas nossas comunidades cristãs. O desafio passa por criarmos espaços ecuménicos nas paróquias, estruturas, serviços, movimentos e obras. O dom da comunhão e da unidade de todos os cristãos é algo de fundamental nas famílias e nos ambientes laborais.

O diálogo ecuménico, que devemos valorizar nas nossas comunidades, aproxima os cristãos entre si, dissolve dúvidas possíveis, afasta certas rivalidades e inimizades entre as várias igrejas cristãs.

Sejamos semeadores de esperança, neste Ano Santo Jubilar, percorrendo um caminho ecuménico juntos dentro da própria Igreja Católica e no seio das suas paróquias, comunidades, estruturas de governo, movimentos e obras.

Devemos dar passos em caminho sinodal. Que, através da participação, cheguemos mais longe construindo pontes de comunhão e unidade entre todos aqueles que acreditam em Cristo e realizam a missão de anunciar o Evangelho ao mundo de hoje.

Trabalhar a dimensão ecuménica na Igreja é hoje um dos maiores desafios pastorais para todos os cristãos, mas também uma oportunidade para avaliar os riscos /benefícios para uma igreja que se apresenta como sinal universal de salvação.

A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos “convida-nos a caminhar em estilo sinodal, no entrelaçamento das nossas vocações, carismas e ministérios e ir ao encontro de todos para levar a alegria do Evangelho”. Pois, só assim, podemos viver a comunhão que salva e experimentar a unidade que fortalece o Corpo da Igreja, que é o próprio Cristo.

+ António Luciano, Bispo de Viseu

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