A cegueira de Paulo

Henrique Matos, Agência ECCLESIA

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Esta semana o calendário litúrgico desafiou-nos a regressar a um lugar já conhecido, a Conversão de São Paulo. Aliás, todo o ano litúrgico é feito de regressos intencionais na esperança de que os marcos da fé cristã não se apaguem em nós ou que, num destes regressos, descubramos na sua implicação necessária no concreto da nossa vida.

Paulo, a sua conversão e o seu trabalho na “globalização do Evangelho”, são um património de significado e de desafio que não pode ficar simplesmente guardado na galeria das figuras ilustres do cristianismo. Ele foi a “ferramenta” essencial para que o Evangelho moldasse um mundo novo, uma nova ordem “sem judeu nem grego, sem escravo nem homem livre.

Imaginar esta ousadia no mundo daquele tempo, dá outra substância à palavra radical ou ao conceito de revolução. Por isso, considero obrigatório regressar a Paulo e recuperar parte da energia que ele infundia nas comunidades, reagir às ameaças de divisão, valorizar a Igreja que se vive e experimenta no grupo que celebra a fé e não se conjuga com projetos pessoais.

Paulo não se apresenta ao mundo como mero promotor de uma doutrina nova, ele analisa e confronta as categorias da época, racionaliza a fé que o anima e com ela desmonta teorias e normas. Paulo vai pela coragem e pela inteligência, é apóstolo e pensador de um mundo novo. Hoje, a esta distância, somos herdeiros do seu sucesso não apenas por termos a nossa comunidade e paróquia, mas por nos movermos num quadro de direitos humanos, de liberdades e garantias, de sistemas que preservam as minorias e os mais fracos… lá atrás, temos de ser justos, está muito do suor de Paulo e da Boa Nova que o anima.

Esta semana, celebrámos a conversão deste homem. O facto esclarece-nos logo que ele não foi sempre assim aliás, antes, o ardor era outro. Paulo “jogava” na equipa adversária e, ao que parece, fazia-o com empenho reconhecido. É aqui que os acontecimentos ganham interesse, desde logo, por Cristo estar atento aos melhores e contratar onde menos se espera. Mas ao chamar renova, muda tudo, cega. A cegueira pode ser afinal a cura que precisamos para ver com a nitidez de Cristo, é o processo em que apagamos o que não é essencial e criamos espaço para coisas novas.

Paulo partiu determinado para Damasco e chegou lá amparado pelos companheiros, partiu forte e chegou vulnerável. A debilidade é uma pedagogia necessária para a humildade e esta, é sistema operativo para o crente.

Num mundo de certezas, deslumbrado pelo sucesso e pelo protagonismo, façamos a experiência da vulnerabilidade e da cegueira. Sejamos sensíveis aos “Ananias” que nos são próximos e assim, recuperemos a visão para descobrir coisas novas e realidades que nos eram indiferentes. Não hesitemos ousar categorias diferentes e assumir o ardor de Paulo para quem viver é Cristo e morrer, um lucro.

Henrique Matos

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