«Quem caminha para Deus não se afasta dos homens» A encíclica “Deus caritas est”, de Bento XVI, coloca a caridade no coração do ser e do agir da Igreja, traçando um “perfil específico” das actividades eclesiais ao serviço do homem. Na “essência” da caridade cristã e eclesial estão, segundo a encíclica, a necessidade de “resposta àquilo que, numa determinada situação, constitui a necessidade imediata” e deve ser independente de “partidos e ideologias”. Noutro sentido, deve evitar o chamado “proselitismo”, dado que “o amor é gratuito”: “Quem realiza a caridade em nome da Igreja nunca procurará impor aos outros a fé da Igreja”. O que os membros das organizações devem conseguir, através do seu agir, é serem “testemunhas credíveis de Cristo”. À competência profissional deve aliar-se, segundo a encíclica, a “formação do coração”. “Todos os que trabalham nas instituições caritativas da Igreja devem distinguir-se pelo facto de que não se limitam a executar habilidosamente a acção conveniente naquele momento, mas dedicam-se ao outro com as atenções sugeridas pelo coração, de modo que ele sinta a sua riqueza de humanidade”, exige o Papa. Na sua análise, Bento XVI considera como sinais positivos o crescimento do sentido da solidariedade e das possibilidades de resposta aos mais necessitados, que já deram forma a “numerosas estruturas estatais e eclesiais”. Para o Papa, o florescimento do voluntariado, “escola de vida que educa para a solidariedade e a disponibilidade”, é outro desses sinais que dão esperança no confronto com a “anti-cultura da morte”. A responsabilidade da Igreja, neste contexto, é o de ser “um espaço de ajuda recíproca e simultaneamente um espaço de disponibilidade para servir mesmo aqueles que, fora dela, têm necessidade de ajuda”. Nesse sentido, chama a atenção dos responsáveis pela acção caritativa da Igreja, a começar pelo Bispo de cada Diocese, para que assumam esta acção como “tarefa intrínseca” da Igreja enquanto tal. Seguindo a ideia central da sua encíclica, o Papa lembra que “a acção prática resulta insuficiente se não for palpável nela o amor pelo homem”. “Para que o dom não humilhe o outro, devo não apenas dar-lhe qualquer coisa minha, mas dar-me a mim mesmo, devo estar presente no dom como pessoa”, alerta. Como exemplos dessa acção caritativa, que tem a sua força “na oração”, Bento XVI apresenta a vida de Maria, alguns Santos – entre os quais o português São João de Deus – e Beatos da Igreja, a começar por Madre Teresa de Calcutá, “um exemplo evidentíssimo do facto que o tempo dedicado a Deus na oração não só não lesa a eficácia nem a operosidade do amor ao próximo, mas é realmente a sua fonte inexaurível”. “Chegou o momento de reafirmar a importância da oração face ao activismo e ao secularismo que ameaça muitos cristãos empenhados no trabalho caritativo”, alerta. Nesta reflexão sobre “um comportamento verdadeiramente religioso”, o Papa aborda a questão do mal e da aparente inércia de Deus. “Muitas vezes não nos é concedido saber o motivo pelo qual Deus retém o seu braço, em vez de intervir”, constata. A solução para este drama, segundo a encíclica, é que “apesar de estarem imersos como os outros homens na complexidade dramática das vicissitudes da história, eles permanecem inabaláveis na certeza de que Deus é Pai e nos ama, ainda que o seu silêncio seja incompreensível para nós”. “O amor é possível, e nós somos capazes de o praticar porque criados à imagem de Deus. Viver o amor e, deste modo, fazer entrar a luz de Deus no mundo: tal é o convite que vos queria deixar com a presente Encíclica”, conclui Bento XVI.